É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.
Livro mostra vida em Nova York debaixo d'água em 2140
Marcelo Prates/Futura Press/Folhapress | ||
Pedestres enfrentam forte nevasca em Nova York, nos EUA; livro futurista trata de mudanças climáticas na cidade |
Na minha opinião, o melhor livro de 2017 já foi publicado. Trata-se do calhamaço de mais de 600 páginas escrito por Kim Stanley Robinson, norte-americano que é um dos mais interessantes escritores contemporâneos. A trama do livro, chamado "2140", desenrola-se exatos 123 anos no futuro na cidade de Nova York.
Só que com um pequeno detalhe. Por causa do aquecimento global, o nível do mar subiu cerca de 18 metros. Com isso, a parte sul de Manhattan (que possui elevação menor que a parte norte da cidade) ficou debaixo d'água. Robinson mostra o que aconteceu com a vida no Chelsea, no Soho ou em Wall Street depois da enchente definitiva.
A cidade transformou-se em uma espécie de nova Veneza. Alguns prédios ruíram. Outros estão firmes e fortes e são oásis habitados. Entre eles surge uma intrincada rede de passarelas ligando edifícios, o que permite um fluxo constante de pedestres. O trânsito também segue. Embarcações dividem espaço com barcos individuais e até mesmo pessoas nadando no que antes eram ruas e agora são canais.
A genialidade de Robinson é
mostrar que, mesmo em uma situação extrema como essa, não só a
vida urbana resiste (inclusive a vida noturna) como também os vícios antigos.
A história se desenrola no momento em que um investidor cria um novo índice financeiro, baseado na medição das marés e na altura das águas planetárias. O índice permite então dar previsibilidade ao mercado imobiliário e atrair investimentos.
Com isso, há um novo surto de especulação imobiliária. Comunidades que resistiram por anos à inundação, literalmente lutando por sua sobrevivência, são progressivamente forçadas a desocupar suas casas, convertidas em moradias de luxo atraentes para endinheirados. Em outras palavras, a gentrificação é um dentre os sobreviventes da catástrofe climática.
Robinson mistura como ninguém ciência e ficção. Seus livros são cuidadosamente pesquisados.
Mesmo sua obra anterior, o brilhante "Aurora" (que se passa em uma nave interplanetária), soa plausível. Por isso seu estilo vem sendo chamado de "cli-fi" (ficção científica climática), capaz de projetar o que poderá ser a vida em algumas poucas décadas.
Ele não está sozinho. Há outros escritores do gênero que merecem atenção, como Claire Vaye Watkins ou Paolo Bacigalupi. Mas Robinson é quem articula melhor a interação entre os vários sistemas sociais (como economia) com o cenário distópico. Sua inundação é também uma metáfora para o excesso de "liquidez" financeira. Que serve tanto de causa como consequência da catástrofe, perpetuando-se mesmo em mundo farto de cidades costeiras inundadas.
Para os mais céticos, vale lembrar que a organização de ciência climática Climate Central prevê que em 2050 Nova York passará a ter 28 dias por ano com temperatura com mais de 40⁰C (cinco vezes mais do que no início dos anos 2000). Assunto para Robinson não vai faltar.
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Reader
JÁ ERA Achar que
sci-fi é subgênero
JÁ É Consagração
autores de sci-fi como "sérios"
JÁ VEM Cada vez mais
livros, filmes e séries de "cli-fi"
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