A arte é impotente diante de guerras, diz diretor russo
Natural de Kherson, na Ucrânia, o ator Eugênio Kusnet (1898-1975), que marcou a modernização do palco no Brasil, do Teatro da Experiência nos anos 1930 ao Oficina nos 60, já deixou para trás um país devastado culturalmente pelo domínio russo.
É como descreve Andriy Zholdak, diretor ucraniano de "Woyzeck", espetáculo programado para o MITsp.
Ele sublinha a importância cultural de Kherson e diz que o teatro na Ucrânia tinha características próprias e caminhava para o modernismo, "mas esse desenvolvimento foi quebrado" por Moscou, que "destruiu e matou ucranianos, não só física mas intelectual e espiritualmente".
Questionado, Zholdak evita tratar diretamente do conflito atual entre Ucrânia e Rússia, mas lembra que "os artistas ucranianos foram mortos em campos" no século 20. E foi só então que "seu teatro se tornou estéril e começou a seguir o estilo de Stanislavski", diretor russo.
Zholdak, que chegou a ter uma montagem de "Romeu e Julieta" vetada na Ucrânia, então com governo pró-Moscou, traz a São Paulo uma encenação também à primeira vista pouco política, de "Woyzeck", do alemão Büchner. Mas o tema do diretor, nesta como em outras peças, segundo o MITsp, é "como alguém permanece humano em condições desumanas".
NA RÚSSIA
Dmitry Krymov, diretor russo de "Opus nº 7" e formado pelo Teatro de Arte de Moscou fundado por Stanislavski, também evita falar diretamente do conflito na Ucrânia. Ele lembra que já se pronunciou, assinando um manifesto contra a guerra. Ele prefere tratar da questão de forma genérica.
"A arte diante dos conflitos armados, lamento dizer, é impotente. E, fazendo [arte] todo dia, eu tento não ouvir rádio, não assistir à TV e [acessar] internet porque, assim que submerge naquilo tudo, você não pode mais, essencialmente, continuar criando. Tem que fazer alguma coisa, mas o quê?"
Krymov diz fazer arte "enquanto é possível" e que quando o conflito chegar perto ("Deus, não deixe isso acontecer") vai parar.
"Opus" é um espetáculo em duas partes, de "proporções operísticas", segundo o MITsp: a primeira sobre o Holocausto na Rússia e a segunda sobre a perseguição ao compositor Dmitri Shostakovich, sob Stálin.
"O tema de algum povo sendo oprimido por algum outro povo ainda é, infelizmente, pungente, vivo", diz Krymov. "Mas eu acredito que o nosso espetáculo é penetrante não só por isso, mas pela linguagem."
Questionado sobre censura na Rússia, hoje, Krymov diz que não enfrentou restrições ao encenar "Opus" e que: "Até agora eles ainda não chegaram ao teatro, por enquanto é só no cinema. Mas é bem possível que cheguem amanhã ao teatro."