Retrocesso sul-africano
A África do Sul produziu imagens tristes nos últimos dias: multidões enfurecidas armadas com pedras e facões, lojas e carros incendiados em subúrbios de grandes cidades, pessoas amontoadas em improvisados campos de refugiados.
A horda raivosa, a depredação gratuita e a fuga desesperada têm seu ponto de intersecção na onda de violência xenofóbica que há três semanas agita o país.
Os distúrbios tiveram como estopim as declarações de um influente líder étnico sul-africano, o rei zulu Goodwill Zwelithini. Em discurso na cidade portuária de Durban, ele disse que os estrangeiros deveriam deixar o país. Quando posteriormente declarou ter sido mal interpretado, o estrago estava feito.
Iniciada em Durban, a selvageria se espalhou para Johannesburgo, a maior cidade do país, além de localidades menores nas regiões norte e leste. Provocou, até o momento, a morte de sete pessoas e o desalojamento de outras 5.000.
Se a desastrada declaração do rei zulu serviu de gatilho para a crise, seu combustível é a deterioração da economia da África do Sul.
O país de 54 milhões de habitantes acaba de perder para a Nigéria o posto de maior economia africana e registra alta taxa de desemprego, cerca de 25%. O crescimento do PIB desacelera desde 2011: passou de 3,6% para 1,4% em 2014.
A intolerância diante dos imigrantes surge como desdobramento viciado dessa difícil situação econômica. No discurso ideológico, os estrangeiros estariam "roubando" postos de trabalho --argumento que já aparecera em 2008, quando barbárie semelhante levou à morte de mais de 60 pessoas.
A África do Sul conta oficialmente pouco menos de 2 milhões de imigrantes, mas se estima que sejam cerca de 5 milhões, muitos deles ilegais. A maioria provém de países vizinhos ou próximos, como Zimbábue, Maláui, Burundi e Moçambique, que figuram entre os mais pobres do mundo.
Na tentativa de aplacar as turbulências, o presidente Jacob Zuma e outros membros do Congresso Nacional Africano, partido ao qual pertenceu Nelson Mandela, condenaram as agressões e pediram aos sul-africanos que não descontem suas frustrações nos estrangeiros.
De fato, soa como uma trágica ironia que tais manifestações xenofóbicas se deem em um país que durante décadas conviveu com um odioso regime segregacionista. Vinte e um anos após o fim do apartheid, muitos sul-africanos recorrem ao mesmo tipo de violência de que um dia foram vítimas.