TV descarta stand-up e recorre à fórmula da claque para fazer rir
A família brasileira se prepara para entrar em um novo ciclo. Depois da onda do stand-up, que usa de temas atuais, de um tom cínico e do politicamente incorreto, é a vez do humor de auditório, de tipos, corporal e ingênuo, ditar as regras.
A tendência foi determinada pelo sucesso do "Vai que Cola", teleteatro do Multishow, que mostra a interação de personagens caricatos numa pensão de subúrbio carioca, e pelo revival do "Sai de Baixo", que dobrou a audiência da Globo no domingo.
Seguindo uma linha semelhante, em dezembro, dois novos programas serão exibidos pela TV aberta: "Divertics", na Globo, e a "Nova Família Trapo", na Record.
Em 2014, o Multishow lança uma atração com os humoristas Fábio Porchat e Tatá Werneck e a segunda temporada do "Vai que Cola".
Em comum, todas essas atrações têm auditório e gargalhadas após as piadas.
O programa global unirá esquetes ao humor de trupe (como em "Os Trapalhões" e "TV Pirata") de forma teatral.
Já o da Record resgata "Família Trapo" (1967-71), precursor do gênero, em um contexto atual: o protagonista Quintino é uma subcelebridade vencedora de reality show que se vê refém da família. Se for bem, o especial pode se tornar fixo na grade do canal.
Zanone Fraissa/Folhapress | ||
O ator Rafael Cortez, o Quintino da 'Nova Família Trapo', em estúdio da Record em SP |
O novo do Multishow, ainda sem nome, vai ao ar em julho. Escrito pela roteirista e colunista do site da Folha Tati Bernardi, deve fazer piada com os programas que fazem tudo por audiência.
Na opinião do diretor do canal, Guilherme Zattar, o humor de auditório pegou porque é coloquial. "As pessoas se identificam. Funciona como terapia", afirma.
Para ele, o resgate do auditório era óbvio. "Era um formato que estava abandonado havia sete anos, e resolvi usar meu elenco", diz, em referência ao "Vai que Cola".
RISADAS NO AUDITÓRIO
Mas, e a plateia usada na gravação, tem algum efeito prático no resultado? Para os envolvidos nos projetos, sim.
"Ajuda o elenco a estourar o tempo de comédia e faz com que a temperatura suba", diz Cláudio Torres Gonzaga, veterano do humor, comediante de stand-up e roteirista do "Divertics". Para ele, o riso do auditório pontua as piadas.
Com passagem pelo "Zorra Total", Ignácio Coqueiro, diretor da "Nova Família Trapo", concorda com Gonzaga e diz que até optou por uma claque contratada. "Os atores se sentiram mais seguros."
Coqueiro afirma que o humor de auditório pode suprir uma demanda do público por um tom "mais leve".
Para Rafael Cortez, que protagoniza o especial da Record, o uso do formato está ligado ao fato de o stand-up não ter ido bem na televisão. "A TV é fria para o stand-up."
Assim como Coqueiro, Cortez mostrou-se um entusiasta da claque profissional. "É sensacional. Tem que ter a risada histriônica, a abafada, a contida, a histérica", diz.
Para o pesquisador Gilmar de Carvalho, o auditório abre espaço para experimentações e formatos. "O humor que está no ar é chato, paródico demais, com pretensões metalinguísticas. Difícil sustentar um humor de mau humor."
Segundo ele, no entanto, o humor de auditório não é necessariamente mais ingênuo.
"Pode levar a experimentações e vivências, como a retomada da representação circense. Vale tudo, desde que a gente volte a rir como há tempos não faz."
Elias Thomé Saliba, professor de Teoria da História da USP, diz o contrário: ri-se de tudo atualmente e, por isso, o humor está em extinção.
Para ele, a função do humor é explorar uma forma instintiva de criar laços sociais. "Quem sabe o programa de auditório não consegue recuperar este efeito de hilaridade coletiva e contagiante do riso?", questiona.
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