ANÁLISE
Decisão de Trump não mata Acordo de Paris, mas é retrocesso importante
A defecção dos Estados Unidos do Acordo de Paris não fere de morte o tratado para combater a mudança do clima. É um retrocesso importante, mas o tabuleiro rearranjado cria oportunidades para a China e a União Europeia e afetará a competitividade da economia dos EUA no médio prazo.
De imediato, o horizonte que cabe na linha de visão de Donald Trump, seu país até pode colher dividendos. Ninguém duvida de que é mais barata a energia obtida com combustíveis fósseis, principal fonte dos gases causadores do efeito estufa, e os EUA têm grandes reservas de carvão, petróleo e gás natural.
Kevin Lamarque/Reuters | ||
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante discurso sobre o Acordo de Paris na Casa Branca |
Ao abandonar as metas adotadas por Barack Obama para reduzir sua utilização, melhor maneira de cortar emissões de carbono, Trump barateará o preço da energia fóssil. Também permitirá que empregos de baixa qualidade em minas de carvão tenham alguma sobrevida.
Na escala de tempo que vai até a próxima eleição, em 2020, isso lhe trará votos –como disse Trump, ele foi eleito com votos de Pittsburgh, não de Paris. Mas emite os sinais errados para setores mais avançados da nova economia, como o das energias alternativas.
Quem é o empresário mais inovador dos EUA? Muitos apontariam sem pestanejar o sul-africano Elon Musk, que tornou os carros elétricos de sua Tesla competitivos com os beberrões de gasolina fabricados em Detroit.
Musk também promete revolucionar a geração e a distribuição de eletricidade ao massificar a produção de baterias de lítio domésticas e telhas com painéis para converter a luz do Sol em corrente armazenável. Muito criticado por participar de um comitê de aconselhamento de Trump, Musk já disse que se vê agora obrigado a abandoná-lo.
Ao dar algum fôlego para os fósseis, o presidente republicano prejudica o negócio de Musk, porém não o aniquila. O setor de energia americano já vinha em trajetória de redução de emissões de carbono, graças a visionários como ele e investidores que enxergam longe e se voltaram para as fontes limpas de energia, como a eólica (ventos) e a fotovoltaica (solar).
Um indicador claro dessa tendência foi a revolta na reunião de acionistas da ExxonMobil contra sua direção apenas um dia antes da rejeição a Paris (a empresa até há pouco era dirigida por Rex Tillerson, secretário de Estado de Trump que o aconselhava a não sair se retirar do acordo).
Um grupo que detém 62% das ações da Exxon aprovou resolução combatida por seus dirigentes para que a companhia detalhe o impacto da mitigação da mudança do clima nos negócios, como a perda de valor de reservas de petróleo e gás que talvez deixem de ser exploradas. Um ano atrás, proposta similar foi derrotada ao angariar apoio de apenas 38% dos acionistas.
No time dos revoltosos está o fundo de investimento Black Rock, um dos maiores do mundo e segundo maior acionista da Exxon. Não se encaixa no figurino de ativistas globais e governos estrangeiros que só querem prejudicar financeiramente os EUA e roubar-lhes empregos, como sustenta a retórica trumpiana.
A necessidade de agir contra o aquecimento global é reconhecida até por líderes empresariais destacados que foram ou são republicanos, como Michael Bloomberg (ex-prefeito de Nova York) e Hank Paulson (secretário do Tesouro de George W. Bush). Os dois fundaram uma espécie de ONG, Risky Business (negócio arriscado) precisamente para promover a causa.
Muita gente de visão não enxerga retorno nesse caminho. A não ser, claro, luminares como Donald Trump.
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