É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
Escreve aos sábados.
Shakespeare vai ao Planalto
Alan Marques - 29.ago.2016/Folhapress | ||
Dilma Rousseff participa de sessão do julgamento do impeachment |
A guilhotina, afiada por 61 votos contra 20, estava quase sobre o pescoço da ex-presidente Dilma Rousseff na última quarta-feira (31), quando a ruralista Katia Abreu, no papel de primeira amiga, gritou: "Parem"! Bravamente secundada pelos cavaleiros Ricardo Lewandowski e Renan Calheiros, e mais uma tropa de 19 apoiadores do impeachment, conseguiu transmutar a pena de morte numa espécie de prisão perpétua. A condenada perde o poder, porém, fica viva. Aplausos e vaias. Desce o pano.
A cena conclusiva do espetáculo senatorial foi digna de um drama shakespeariano, no qual tragédia e farsa se misturam em doses equivalentes. Para efeitos imediatos, pouco muda. O golpe parlamentar se consumou, encerrando este ciclo do lulismo, com danos à democracia. Mas, ao garantir, no último minuto, a manutenção dos direitos de Dilma, o Senado mandou um recado à plateia, com uma piscadela: não houve mesmo crime de responsabilidade, a ré é inocente, caiu por razões políticas.
O longo interrogatório a que fora submetida dois dias antes revelou-se decisivo para o desfecho. Embora não tenha o dom da oratória, Dilma conseguiu evidenciar, perante o tribunal da opinião pública, a fragilidade das acusações que lhe eram imputadas. Ao levantar-se da cadeira, 14 horas depois de iniciada a sessão com um competente discurso lido, a rainha prestes a perder o cetro tinha conseguido colar as palavras traição e usurpação na imaginária coroa que, sequestrada por Eduardo Cunha, Michel Temer envergaria.
Ao preservar a dignidade da mandatária deposta, os peemedebistas cordiais do Senado, dentre os quais ex-ministros da era lulista, levaram o nosso Ricardo III a começar o mandato na defensiva. Indignados, os demais partidos da aliança exigiam retaliações contra os traidores do PMDB. Em lugar da comemoração morna prevista para a noite, o novo monarca foi obrigado a endurecer e ameaçar, instando os descontentes a deixarem o palácio.
Chegou, assim, manco ao trono, manchado de sangue. Nem por isso menos temível, pois se formou bloco social de grande envergadura disposto a retomar o projeto neoliberal de onde ele havia parado nos anos 1990. Subestimar o tamanho da onda que vem por aí seria grave erro de avaliação.
A balbúrdia na base parlamentar, as ameaças da Lava Jato, a má avaliação do eleitorado que acometem o novo príncipe serão revertidos se os empregos reaparecerem. A coalizão vitoriosa está consciente do assunto. O empenho em viajar à China logo depois da desastrada posse o demonstra. Tem início uma peça diferente.
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Por razões profissionais, paro por uma semana. Volto em 17/9.
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