Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

O maior ícone marxista detona o PT e a esquerda latina

Crédito: 23.nov.1996/Folhapress O linguista norte-americano Noam Chomsky durante conferência na F.A.U.-U.S.P. [FSP-Ilustrada-23.11.96-Ed.Nacional]
O linguista norte-americano Noam Chomsky em conferência na USP em 1996

Os governos de esquerda que se disseminaram pela América Latina, Brasil inclusive, fracassaram. No caso do Brasil (e também da Venezuela), o fracasso não é apenas das políticas adotadas mas também do ponto de vista ético.

Não, não é a análise de algum direitista empedernido mas de ninguém menos que o maior ícone do marxismo, talvez o último marxista relevante ainda existente no planeta, depois que o colapso da União Soviética sepultou todos os demais sob os escombros do Muro de Berlim.

Chama-se Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista político, que completará 90 anos em 2018.

Eis o que disse Chomsky em entrevista para "Democracy Now", programa diário de "notícias independentes", como se pode ler no seu sítio na internet:

Depois de reconhecer que houve conquistas, ressalva que "os governos de esquerda fracassaram em usar a oportunidade disponível para tentar criar economias sustentáveis e viáveis. Quase todos –Venezuela, Brasil, outros, Argentina– dependeram da alta de preços das commodities, que é um fenômeno temporário. O preço das commodities de fato subiu, principalmente por causa do crescimento da China. Por isso houve aumento no preço do petróleo, da soja e assim por diante".

Prossegue: "Em vez de tentar desenvolver uma economia sustentável com manufaturas, agricultura etc, eles simplesmente apoiaram-se nas commodities –matéria prima que podiam exportar".

Neste ponto, Chomsky enfia o dedo na ferida com mais força:

"Isso [a dependência das commodities] é muito daninho, é um modelo daninho de desenvolvimento, porque, quando você exporta grãos para a China, digamos, eles exportam bens manufaturados para você, o que mina suas indústrias manufatureiras".

A análise de Chomsky está longe de ser uma novidade. Uma penca de analistas cansou de fazer a mesma avaliação sobre os governos de Lula e Dilma, para ficar só no caso do Brasil.

O que há de novo é que alguém de esquerda enfim abre os olhos e diz o rei está nu, coisa que nenhum intelectual de esquerda o fez até agora no Brasil.

Apenas frei Betto apontou, mais de uma vez, o fato de que os governos do PT reproduziram políticas de governos anteriores e não introduziram reformas estruturais (se me escapou algum outro analista de esquerda que tenha feito análises parecidas, me avise, leitor).

Mas Chomsky não se limita à crítica no campo da economia. Ataca também a corrupção, nos seguintes termos:

"Como se não bastasse [o modelo daninho de desenvolvimento], houve enorme corrupção. É simplesmente doloroso ver que o Partido dos Trabalhadores no Brasil –que implantou medidas significativas– simplesmente não pôde manter as mãos fora da caixa registradora. Juntaram-se à elite extremamente corrupta, que está roubando o tempo todo, tomou parte [no esquema] e desacreditou-se".

Ao contrário da esquerda brasileira, que continua endeusando Lula como se fosse o único político honesto na face da Terra, Chomsky preconiza a escolha de novas lideranças.

Pede "forças mais honestas que, primeiro de tudo, reconheçam a necessidade de desenvolver a economia de uma maneira que tenha um alicerce mais sólido, não apenas baseado na exportação de matérias primas, e, em segundo lugar, sejam honestas o suficiente para desenvolver programas decentes sem roubar o público ao mesmo tempo".

Quando é que a intelectualidade que se acha de esquerda vai ter a decência básica de dizer o que seu ícone maior está dizendo agora? Até um cardeal petista já admitiu que seu partido "lambuzou-se" (pena que ele próprio esteja na lista dos suspeitos de se ter lambuzado).

Não adianta nada elaborar manifestos com projetos para o país se não se disser que, com a corrupção que corroeu o principal partido da esquerda, não há desenvolvimento possível e, portanto, são necessárias "forças mais honestas".

Por fim, a Venezuela, sobre a qual a esquerda toda silencia: Chomsky não hesita em descobrir o óbvio, ou seja que está em "situação realmente desastrosa".

Além da economia continuar dependente do petróleo, "certamente mais do que no passado", há "a corrupção, a roubalheira, que tem sido extrema, sob e especialmente depois da morte de Chávez".

Termina dizendo que as promessas dos primeiros dias do chavismo "têm sido significativamente perdidas".

Até quando a esquerda brasileira vai continuar sócia do imenso fracasso que é o socialismo do século 21 e da promiscuidade com uma empreiteira que confessou, de público, um lote impressionante de maracutaias?

P.S.: O leitor Roberto Mifano chama minha atenção, com razão, para o fato de que intelectuais de esquerda fizeram, sim, críticas à atuação do PT. Quando escrevi que haviam silenciado, me referia não a todos os de esquerda mas aos petistas propriamente ditos. Mifano lembra, entre outros, de Chico de Oliveira, Paulo Arantes, Michel Lowi e Roberto Schwarz, aos quais peço desculpas pela omissão.

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