Fernanda Torres

Atriz e roteirista, autora de “Fim” e “A Glória e Seu Cortejo de Horrores”.

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Fernanda Torres

Apagão

Eu estava lá, no sofrido 1 a 1 contra o Chile, quando o Brasil já preocupava em campo. Tive pânico de vivenciar uma depressão coletiva só comparável à derrota para a Itália em 1982. A diferença é que, em 1982, o time existia.
Não sou entendedora do esporte, mas a insistência na ligação direta da zaga com o ataque me pareceu, desde o início, um jogo de azar. Eram passes alucinantes de David Luiz, mas que chegavam no susto, tanto para um lado quanto para o outro.

Avançamos como se pudéssemos prescindir do meio de campo, dos laterais, na raça e na emoção. Lembro-me de ver Thiago Silva angustiadíssimo, com os olhos fechados voltados para o céu, cantando o hino no segundo jogo. Achei preocupante.

Depois do horror chileno, os nervos do capitão não aguentaram. Ele honrou a braçadeira, abrindo o placar contra a Colômbia, para, em seguida, fazer aquele gesto cômico, não fosse trágico, de tentar roubar a bola das mãos do goleiro. Levou o segundo cartão e se livrou do trator alemão. Talvez não suportasse.

Neymar foi dos poucos que mantiveram a felicidade e a lucidez durante o campeonato. Deus o poupou de não ter de estar presente no apagão mineiro.

Entramos em cena no espírito favela bairro. Em obras. Ficou só o que nunca funcionou, o futebol em si, com passes e construção de jogadas. Foi impressionante. Optar pela rolha da Argélia? Jogar na retranca? Nós somos penta, porra! Não é isso o que se espera da seleção. E tome gol...

Os alemães venceram os argelinos pelo cansaço, como o pescador que trabalha um peixe arredio. Com o Brasil, foram muito educados. Não exibiram nenhum traço de supremacia ariana. Jogaram com leveza, menos apegados a Deus e mais aos fundamentos do esporte.

E foram misericordiosos, tirando o pé do freio depois do quinto gol. Suspeito que até Neuer -homem vitruviano capaz de, parado, tocar em todos os pontos da trave- tenha deixado escapar o gol honroso dos anfitriões. Os louros foram racionais, mas nem por isso frios, ou deselegantes.

O 7 a 1 exige mudanças. E não só no esporte. Esse amor inflamado à camisa, ao hino, ao país deveria ser canalizado para ações práticas.

A sociedade funcionou. Os aviões saíram na hora, não houve derramamento de sangue, arrastões ou grandes rebeliões. Fomos hospitaleiros e enérgicos na investigação da venda ilegal de ingressos. Exemplares.

O horror que todos achavam que aconteceria fora de campo se deu sobre o gramado, com a torcida canarinho de pé, aplaudindo o futebol do oponente.

Foi o fim de uma ilusão.

É difícil separar a Copa 2014 da eleição que se segue. Espero que os candidatos, a exemplo dos germânicos, apresentem menos melodrama e mais planejamento.

Falta, ao homem cordial, uma certa dose de racionalidade.

Chama a psicóloga.

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