Fernanda Torres

Atriz e roteirista, autora de “Fim” e “A Glória e Seu Cortejo de Horrores”.

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Fernanda Torres

O Império Colonial

A memória do monarca que transferiu a corte portuguesa para o Rio de Janeiro, salvando a coroa das garras de Napoleão, desaparece dos livros didáticos de Portugal no momento em que ele deixa o porto de Lisboa.

Nenhum puto aprende na escola o que a presença de D. João 6º significou para o Brasil.

Como que por desforra, nós também, colonos, ignoramos o destino de D. Pedro 1º, tornado 4º em Portugal, assim que ele abandona o Brasil para garantir os interesses reais da família na Europa.

Uma estátua imponente de Pedro 4º a cavalo domina a praça do Rossio, em Lisboa, mas os brasileiros que circulam por ali, todos os dias, o encaram como um ilustre desconhecido.

O desprezo ao passado comum é ainda mais acentuado quando se trata da África.

Janto com o escritor angolano José Eduardo Agualusa na capital lusitana. Agualusa é um intelectual branco, perseguido por suas posições contrárias ao partido que se perpetuou no poder após as guerras de independência e civis, que se estenderam desde 1970 até o ano 2002 em Angola.

Seu último livro narra a saga de uma guerreira de nome Ginga, que se aliou aos holandeses desejosos de interromper o lucrativo tráfico negreiro entre Portugal e Brasil.

Contemporânea daquele que é visto como nosso maior traidor, Domingos Fernandes Calabar, Ginga foi derrotada por forças lideradas por Salvador Correia de Sá, descendente de Estácio e Mem, fundadores da cidade do Rio de Janeiro.

Foram os brasileiros que reconquistaram Angola, afirma o escritor.

Agualusa me explica que Luanda é uma das cidades mais caras do planeta. A população se divide entre o povo carente e uma casta ligada ao partido político que, apesar das eleições, nunca deixou o poder.

Ao contrário do Brasil, a concentração de riqueza em Angola não se divide por cor. A aristocracia africana fez fortuna com o comércio de escravos e goza dos mesmos privilégios da elite branca daqui.

A herança escravocrata define, até hoje, as relações sociais das colônias. A diferença é que o Brasil formou uma classe média capaz de impulsionar o consumo e exercer pressões democráticas. Angola, não.

Dona de uma das maiores reserva de petróleo e de diamantes do planeta, a potência africana vive um período de expansão econômica, mas o furor predatório dos seus governantes deixa qualquer petrolão no chinelo.

Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África, é filha do presidente angolano, José Eduardo dos Santos. Os privilégios não se limitam à família do presidente. O primeiro canal pago de TV angolano, por exemplo, tem como acionista o general Manuel Hélder Vieira Dias, mas Isabel é um caso especial.

Em 1999, sem explicações ou concorrência pública, a jovem se tornou sócia da estatal Endiama, que detém os direitos sobre a exploração de diamantes no país. O mesmo ocorreu com a empresa de telefonia, a Unitel.

Desde então, sua participação no controles de bancos e grupos não para de crescer. E seus interesses atravessaram fronteiras, chegando até Portugal, onde comanda empresas de eletricidade e telefonia.

O estopim da crise que levou a falência do Banco Espírito Santo, o BES, em 2014, teve origem em Angola.

Fundada no século 19, a maior instituição privada de Portugal maquiava sua saúde financeira promovendo empréstimos entre empresas do grupo. O BES fez um mútuo bilionário para o BESA, o Banco Espírito Santo de Angola, com garantia pessoal do presidente africano.

Para surpresa do BES, Eduardo dos Santos revogou o aval após a transferência do valor, e o banco ficou a descoberto. A crise acendeu o alerta dos investidores que abriram a caixa de pandora da financeira.

O caso terminou em falência. Parece vingança histórica, talvez seja.

Os descalabros revelados pelas denúncias da Operação Lava Jato não diferem da maneira com que Eduardo dos Santos confunde os seus interesses com os do povo.

Os partidos políticos tendem a repetir o mesmo no Brasil.

Desconfio que a descoberta do pré-sal criou a falsa impressão de que os recursos da Petrobras eram infinitos. O mito de que, nesta terra, em se plantando, tudo dá.

Ainda vivemos a fantasia e os desmandos do Império Colonial.

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