Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

A bússola do Oriente Médio

A bússola das alianças no Oriente Médio apontou, neste mês, para diferentes e emblemáticas direções. Aliados tradicionais de Washington, Arábia Saudita, Turquia e Israel protagonizaram périplos diplomáticos a Moscou e Pequim, sinalizando novas arquiteturas políticas e econômicas no cenário global.

O guia de viagem primaveril, no hemisfério norte, trouxe orientações claras. Para falar sobre Síria, desembarque em Moscou. Para desenhar estratégias comerciais e de investimentos, aterrissagem em Pequim.

No começo do mês, Putin recebeu o presidente turco, Recep Erdogan, e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, em uma flagrante demonstração de ressurgimento de Moscou no xadrez do
Oriente Médio. A influência do Kremlin na região se diluía desde o fim da Guerra Fria.

Erdogan e Netanyahu cruzaram as muralhas do Kremlin em dias seguidos. Levaram a Putin preocupações com reflexos na Síria de eventual acordo de paz, patrocinado por Moscou, entre o ditador Bashar Al Assad e alguns grupos rebeldes.

Erdogan espera de Putin iniciativas para evitar o fortalecimento de curdos da Síria, pois teme reverberações separatistas na população curda que vive em solo turco. Priorizando a implantação de seu projeto político autoritário e nacionalista, o presidente turco busca auxílio em Moscou para impedir a chegada de ventos desafiadores e oriundos de território sírio.

Netanyahu também abriu, no Kremlin, o mapa da Síria. Argumentou ser inaceitável para Israel o enraizamento militar, em domínios sírios, do Irã e do Hezbolá, aliados de Bashar Al Assad e empenhados em disseminar estratégias ainda apoiadas na ideia da destruição do Estado judeu.

Putin não assumiu, publicamente, compromissos inequívocos diante das demandas dos visitantes. Vai negociar. Mas buscou capitalizar, na mídia russa e internacional, a mostra de força diplomática e militar, ao posicionar o Kremlin como um templo decisório sobre rumos da Síria.

A China também estendeu tapete vermelho a forasteiros vindos do Oriente Médio. Xi Jinping recebeu o rei Salman, da Arábia Saudita, e Binyamin Netanyahu, num frenesi diplomático para recepcionar, em menos de uma semana, dois dos mais tradicionais aliados norte-americanos.

A Arábia Saudita, além de expandir exportações petrolíferas, enxerga na China parceiro cardinal para transformar sua economia, ao abrir novas fronteiras em áreas como tecnologia e diminuir a dependência em relação ao setor de energia. A cooperação entre Pequim e Riad invade ainda campos como o militar, inteligência e espaço.

A parceria sino-israelense também avança. Montada em robusta capacidade de investimento, a China garimpa oportunidades no mercado de startups do país do Oriente Médio, enquanto empresas de Israel se entusiasmam com a ideia de ampliar acesso ao gigantesco mercado consumidor chinês.

Apesar das mudanças, os EUA continuam a reinar como potência global mais influente no Oriente Médio. Mas já precisam se habituar à ideia de compartilhar parcela da sua influência na região com China e Rússia.

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