É escritor. Foi selecionado em 2012 pela revista britânica "Granta" como um dos 20 romancistas brasileiros mais promissores com menos de 40 anos.
Kotti
Não importa onde me hospede na capital da Alemanha, para mim o centro de Berlim sempre será o bairro de Kreuzberg. Ou, mais especificamente, o trapézio geométrico formado entre quatro bares próximos ao entroncamento de carros, vagões e pedestres do formigueiro aberto de Kottbusser Tor.
São eles: o Rote Rose, o Roses, o Würgeengel e o Möbel Olfe, não distantes mais do que alguns passos um do outro. Mais do que gostaria ou possa controlar, costumo terminar minhas noites aqui. Ou começá-las. O ponto médio entre esses quatro endereços deve ser algo parecido com a minha casa na cidade.
O Rote Rose (Adalbertstraße, 90) é o único que fica aberto 24 horas. A freguesia é composta por mendigos (e seus cachorros que ganham mesada do governo), motoristas de táxi, traficantes, punks e malucos em geral.
Há um jukebox e uma daquelas maquininhas que cospem moedas com um sujeito na frente, não importa a hora. A cerveja é baratíssima e o Rote Rose é sempre diferente, sempre absurdo, sempre despropositado como o seu altar com anões e uma Branca de Neve. O teto é um tabuleiro de xadrez –e você deveria tomar cuidado com a sua carteira.
É complicado descrever o que é e o que se passa dentro do Roses (Oranienstraße, 187). As suas paredes de pelúcia rosa levam alguns a dizer que o bar lembra o interior de um útero gay -caso gays tivessem úteros, é claro. O décor queer é completado por bonecas, globos espelhados, pôsteres e uns 100 mil objetos aleatórios de decoração.
Apesar da temática, o público anda misturado (muitos turistas a depender da noite e está na moda falar mal do Roses), mas a garantia é sempre de calor, música dos anos 90 e lotação máxima. Um dos lugares mais interativos de Berlim, para o bem e para o mal. Faça amigos ou a guerra. E seja sempre muito gentil com a senhora por trás do balcão -você não vai querer arrumar confusão com ela.
O Würgeengel (Dresdenerstraße, 122) tem esse nome em homenagem ao filme do Buñuel ("O Anjo Exterminador", 1962). Se no salão aristocrata da história os convidados se veem impedidos de sair, aqui é o contrário: anda cada vez mais difícil entrar no bar depois de nove da noite, já que ele vive lotado.
As paredes de veludo vermelho e os lustres dourados art déco seriam o destaque não fossem os coquetéis e o serviço impecáveis dos barmen. Dizem que a comida é ruim, mas quem vai num lugar desses para comer? Beba o Moscow Mule e o Mai Thai. Para começar.
O Möbel Olfe (Reichenbergerstraße, 177) fica nas galerias do NKZ (Neue Kreuzberger Zentrum), o conjunto habitacional lindamente horroroso que domina a paisagem do Kotti. Esse complexo de apartamentos populares construído nos anos 70 ainda é habitado majoritariamente por turcos ou descendentes.
O bar emprestou o nome de uma velha loja de móveis que funcionava ali -e cujo resto de letreiro ainda pode se ver no topo do prédio. A maioria dos seus habutués beberá cerveja, mas você não deveria perder os shots de vodka polonesa ou russa. Recentemente botaram um grande cartaz na porta para avisar os turistas: "Homo bar". Bem, se você se incomoda com isso, não deveria estar em Berlim. Ou nesse planeta.
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