Tem mais de 40 anos de profissão. É formado em ciências sociais pela USP. Escreve às segundas, quintas e domingos.
A Vila Autódromo resiste
Interlagos não é o autódromo em questão como seria de se supor num jornal paulista.
Mas também esta Folha, embora "de S.Paulo", há muito deixou de ser estadual.
E como o tema tem sido ignorado pela grande imprensa, faz-se obrigatório abordá-lo, mesmo que a Vila Autódromo em foco seja a de um autódromo carioca que nem existe mais, o Nelson Piquet, em Jacarepaguá, fechado e ultrapassado pela especulação imobiliária em 2012.
Mas a Vila Autódromo, no mesmo bairro, ainda existe, ainda resiste ao desalojamento impiedoso motivado pela Olimpíada.
No dia 19 de janeiro, o prefeito Eduardo Paes admitiu em entrevista coletiva que lá havia 30 famílias (das quase 600 originalmente) que queriam e poderiam ficar em suas casas.
Mas apenas dois dias depois, sabe-se lá por que, a Vila foi tomada por cerca de 100 guardas da tropa de choque da Guarda Municipal.
Na mesma semana, sem qualquer aviso prévio, a prefeitura chegou com a GM às 7h e simplesmente fechou três casas de moradores resistentes dentro do canteiro de obras do Parque Olímpico.
Sim, a prefeitura ergueu tapumes ao redor das casas, botou a moradia do povo dentro do canteiro e avisou que os moradores só podem entrar por dentro do Parque Olímpico, por um caminho muito mais longo e com um crachá fornecido por ela. Ainda assim, o filho de uma moradora das casas foi impedido de entrar porque o crachá estava no nome da mãe.
Cenas que desmentem as cínicas entrevistas do prefeito Paes, que procura a guerra.
Assim sempre foi na brava Vila Autódromo: na base do terror, do atropelo e da aposta na vitória pelo cansaço, as casas das centenas de famílias resistentes foram caindo uma atrás da outra, com muitas lágrimas e desespero.
Apesar de tudo, algumas famílias não se entregaram e garantem que não se entregarão, a menos que sejam literalmente engolidas pelas obras, silenciadas pelo barulho das britadeiras e pelas trombetas que anunciam a chegada da festa olímpica.
Eis que agora, depois de ter o Plano de Reurbanização da Vila Autódromo premiado no exterior com o "Urban Age Award", do Deutsche Bank e da London School of Economics and Political Science –o plano provava ser a reurbanização economicamente mais barata, tecnicamente mais fácil e socialmente mais justa que a remoção–, os moradores, com a colaboração permanente dos laboratórios de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense, atualizaram o projeto para o estágio das obras, derradeira tentativa de salvar o que ainda possa ser salvo. E querem chamar a atenção.
A ideia é convidar de maneira pública, lúdica e barulhenta, o prefeito Eduardo Paes para um evento de apresentação do projeto, no próximo dia 27 –convite extensivo ao governador Luiz Fernando Pezão e à presidenta Dilma Rousseff.
Nas palavras dos moradores, "afinal o Dudu Paes vive dizendo que 'quem quiser ficar vai ficar', mas por trás das câmeras faz tudo pra que não haja condições de permanecer".
É verdade que não se fazem omeletes sem quebrar os ovos.
Mas hão de ser sempre os ovos dos excluídos?
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