Antes de Jerry Seinfeld exalar sua misantropia e antes de Homer Simpson satirizar o lado tacanho do americano médio, havia Al Bundy e sua família a destilar infelicidade, ignorância e, sobretudo, mesquinharia em uma "sitcom familiar" às avessas.
Ao contrário de toda a genealogia do gênero, afinal, ninguém aspirava ser o quarteto protagonista de "Married with Children" (no Brasil, "Um Amor de Família"), cuja estreia na TV americana acaba de completar 30 anos.
O vendedor de sapatos Al Bundy (Ed O'Neill), sua mulher perua, Peggy (Katey Sagal), e seus filhos sem perspectiva Kelly (Christina Applegate) e Bud (David Faustino) eram a epítome da mediocridade, sem intenção de serem palatáveis —curiosamente, foi uma campanha pedindo seu boicote por ser "contra os valores familiares" que acabou por atrair atenção e tornar a série o primeiro sucesso da Fox.
Se no formato "Married with Children" em nada inovou, a ousadia de apresentar toda uma família americana de forma negativa, sem floreios, abriu caminho para que feios, sujos e malvados cavassem espaço no coração dos espectadores.
Sem seus impropérios talvez fosse menor o espaço para obras mais geniais como "Seinfeld" e "Os Simpsons", ambas nascidas dois anos depois da sitcom.
(As duas séries, aliás, guardam mais em comum com os Bundy: anos depois de Michael Richards, o Kramer de "Seinfeld", ser testado para o papel de Al, Katey Sagal, a Peggy, interpretaria a alienígena Leela em "Futurama", dos mesmos criadores de "Os Simpsons".)
Al, Peggy, Kelly e Bud são estereótipos escancarados. Ao contrário de seus pares em Nova York ou Springfield, eles apenas são horríveis, e pronto. Não horríveis e bem-sucedidos em algum aspecto da vida.
Mas é isso o que os conecta com a plateia, ora identificada com as pequenas mesquinharias dos Bundy ora aliviada por se mirar naquele espelho às avessas e sentir-se melhor do que o que via.
Ainda que em cores grotescas, "Married with Children" é também um pouco da América profunda, aquela sobre a qual a maior parte das produções culturais reluta em se debruçar –ao menos não sem passar algum verniz. Como contraponto aos personagens felizes de clássicos como "I Love Lucy" ou "Friends", torna-se universal, com suas mazelas diárias que aliviam as frustrações de quem as vê.
Após 11 temporadas, porém, a audiência se esvaiu, cansada do formato. Os produtores decidiram cancelar a série sem sequer planejar um desfecho para as agruras dos Bundy.
O'Neill, o melhor ator dos quatro, segue na TV como o Jay Pritchett de "Modern Family", que em seus melhores momentos lembra Al, acrescido de alguma ternura.
Mas Applegate e Sagal também são vistas com frequência nas telas, a primeira mais recentemente em "Up All Night" e a segunda em "Sons of Anarchy". Já Faustino concentrou sua carreira sobretudo em dublagens. Os planos de um reencontro estão, por ora, engavetados.
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