Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Jeremy Corbyn e o impasse populista

As universidades do Reino Unido têm sido o principal laboratório de ideias da esquerda europeia nas últimas três décadas. A "terceira via", que defende a conciliação da esquerda com o livre mercado, foi elaborada por Anthony Giddens na London School of Economics.

Base programática dos governos de centro-esquerda nos anos 1990-2000, o conceito ingressou na política pelas mãos do líder do Partido Trabalhista, Tony Blair. Ele conseguiu a façanha de renovar seu mandato de primeiro-ministro em três eleições seguidas, até a desastrosa invasão do Iraque, em 2003, liquidar o seu capital político.

O "populismo", redefinido por Ernesto Laclau como a disputa entre o povo e a elite, ganhou notoriedade com os debates organizados por Chantal Mouffe na Universidade de Essex, também no Reino Unido.

Influenciadas pelo sucesso da esquerda latino-americana da década passada, as ideias populistas orientaram a campanha do líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn. Sua notável performance nas legislativas põe um ponto final na era Blair e, de quebra, na experiência trabalhista com a terceira via.

Essa virada de página da esquerda britânica acompanha uma tendência da Europa continental, onde movimentos inspirados pelas teses de Laclau estão colocando os partidos que adotaram a terceira via em risco existencial.

Aproveitando a crise de legitimidade da classe política depois do colapso do sistema financeiro em 2008, os populistas de esquerda criaram partidos do zero como o espanhol Podemos, costuraram frentes multipartidárias à imagem do grego Syriza, ocuparam estruturas tradicionais da envergadura do Partido Trabalhista britânico e armaram campanhas em torno de tribunos carismáticos ao estilo do francês Jean-Luc Mélenchon.

A aposta na inovação tecnológica e renovação política rendeu a adesão em massa dos jovens : 63% da faixa 18-34 anos preferiu Corbyn.

Porém, esses movimentos continuam longe do poder.

O Syriza abandonou a plataforma populista no verão quente de 2015. A derrota do Podemos nas eleições de 2016, nas quais era favorito, abriu um racha no partido. Apesar de ter chegado em terceiro nas presidenciais de 2017, o partido de Mélenchon, França Insubmissa, parece prometido a um espaço modesto na Assembleia Nacional.

A celebração efusiva do resultado de Corbyn mostra como a esquerda se acostumou com vitórias de Pirro. No melhor dos casos, a conservadora Theresa May será obrigada a convocar novas eleições. No pior, ela governará em aliança com a ultradireita. O caminho de Jeremy Corbyn para Downing Street, sede do governo, ainda é longo e tortuoso.

Existem alternativas ao impasse populista. Em Portugal, o Partido Socialista costurou uma coalizão heteróclita, incorporando o vanguardista Bloco de Esquerda e o jurássico Partido Comunista.

Liderada por Antônio Costa, a aliança é admirada por ter feito o impossível: desacelerar a austeridade sem alienar os mercados, e convencer a União Europeia sem perder o apoio do seu eleitorado. Para a esquerda portuguesa, é possível renovar sem se abster de governar.

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