Arquiteto e urbanista, é professor da FAU-USP. Em São Paulo, foi vereador, relator do Plano Diretor Estratégico e secretário municipal de Cultura. É autor de 12 livros.
Escreve às terças-feiras.
O centro está vivo e não precisa de projetos mirabolantes
Fernando Donasci/Folhapress | ||
Vista aérea do centro de São Paulo |
Projetos espetaculares para o centro são "carne de vaca". O anunciado por Doria foi "doado" pelo Secovi e assinado pela grife desgastada de Jaime Lerner. Com bulevares barcelonenses, bondinhos turísticos e edifícios icônicos, nasceu sem credibilidade.
Desconhece a dinâmica da região, com a ilusão de que parcerias público-privadas alavancariam investimentos bilionários para "revitalizar" o centro. Sem ouvir ninguém fora seus contratantes, uma entidade imobiliária, o projeto parte de um equívoco: o centro não tem vida.
De fato, a elite paulistana deixou a região nos anos 1970, mas ela não morreu. É viva, pulsante e democrática, reunindo todas as classes sociais. Perigosa e decadente para quem vive na ilusão dos Jardins, está se reinventando com sucesso. Seu futuro não passa por empreendimentos de luxo, que pagariam obras vultosas.
Milhões de pessoas trabalham e circulam em áreas de exuberante vitalidade, como 25 de Março, Santa Ifigênia, Bom Retiro e Pari. Tem grande efervescência cultural; seu espaço público é palco para a cidadania cultural.
O uso residencial, essencial para aproximar a moradia do emprego, voltou a ser atraente. O Censo de 2010 registrou 480 mil habitantes, 90 mil a mais que em 2000, recuperando parte dos 200 mil que perdeu de 1980 a 2000.
Novos empreendimentos com apartamentos pequenos, sem garagem, atraem jovens que adotam um novo estilo de vida. Movimentos de moradia ocupam e fazem renascer edifícios vazios.
Especulação e obsolescência de edifícios, falta de moradia e ocupação do espaço público requerem políticas articuladas. Em vez de projetos mirabolantes, deve-se implantar a estratégia prevista no Plano Diretor:
1) Agilizar a notificação de proprietários de imóveis ociosos, iniciada em 2015, aplicando a utilização e edificação compulsória e o imposto progressivo no tempo, para ampliar a oferta e reduzir o valor da terra para empreendimentos públicos e privados;
2) Promover habitação nas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis 3), com 60% das unidades para baixa renda. Regularizar as ocupações, reabilitando os edifícios com moradia;
3) Criar normas específicas de segurança e acessibilidade para edifícios antigos, facilitando a reforma (retrofit);
4) Regulamentar e implantar o polo de economia criativa, facilitando a implantação dos setores de criação e inovação;
5) Fazer o "feijão com arroz": limpeza urbana, serviço social digno para moradores de rua, recuperação e manutenção dos espaços públicos.
Quem acredita que PPPs, com um bondinho icônico, podem reabilitar o centro, precisa observar o impasse em que se encontra o Porto Maravilha (Rio de Janeiro). Mas isso é assunto para outro artigo.
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