Doutor em economia pela New School for Social Research, foi ministro da Fazenda e do Planejamento (governo Dilma). Escreve às sextas, a cada duas semanas.
Eletrobras e a busca frenética por receitas
Pilar Olivares - 20.ago.2014/Reuters | ||
Fachada da sede da Eletrobras, no Rio de Janeiro |
Na semana passada, o governo anunciou a intenção de privatizar a Eletrobras.
Sou favorável à medida, e o governo Dilma já havia iniciado esse processo em 2015, começando pela Celg-D e sinalizando que outras seis distribuidoras do grupo no Norte e no Nordeste teriam o mesmo destino.
A privatização pode aumentar a capacidade de investimento da companhia, bem como estimular a concorrência e garantir o abastecimento de um insumo estratégico como energia elétrica, desde que se adote uma regulação adequada.
A privatização também pode ser feita de modo individualizado, por cada empresa do grupo, uma vez que há unidades rentáveis e unidades deficitárias no conjunto de ativos. Mas essa não parece ser a intenção do governo.
A "operação Eletrobras" foi apresentada no âmbito de um programa mais amplo de concessões e privatizações, cujo objetivo seria dar maior eficiência às estatais. Na prática, o objetivo parece ser mais urgente: antecipar receitas para cumprir a meta fiscal de 2018.
Diante da dificuldade do governo em revisar, no Congresso Nacional, desonerações e aumentar tributos, a "operação Eletrobras" surgiu como forma alternativa de aumentar receitas. Vamos por partes.
Em 2012, o governo Dilma renovou várias concessões em troca de uma redução excessiva das tarifas de energia, sem receber nenhum pagamento pela renovação.
Agora o governo Temer propõe exatamente o contrário: revisar os acordos de 2012 e permitir que as companhias aumentem substancialmente o preço da energia em troca de um pagamento à União, o "bônus de descotização".
Segundo cálculos da Aneel, esse pagamento pode gerar um aumento de até 16,7% nos preços de energia, ou seja, um tarifaço.
Como a Eletrobras precisará levantar recursos para pagar o bônus de descotização, a privatização entra no processo como uma forma de gerar receitas.
Segundo o balão de ensaio "vazado" pelas autoridades, a intenção do governo é fazer um grande aumento de capital da holding (empresa-mãe), do qual a União não participará e, portanto, deixará de ter o controle acionário da empresa.
Na sequência, parte dos recursos levantados pela privatização será destinada ao pagamento antecipado do bônus de descotização, elevando o resultado primário de 2018.
No final das contas, a estratégia é transformar uma receita financeira (privatização) em uma antecipação de receita primária (bônus de descotização) para ajudar o cumprimento da meta fiscal de 2018.
Trata-se de mais uma operação não recorrente de aumento de receita para fechar o buraco criado pelas metas fiscais irrealistas da equipe econômica. Tudo isso sem resolver o problema estrutural do Orçamento: o desequilíbrio entre o crescimento das receitas e despesas recorrentes do governo.
O problema da "operação Eletrobras" não é a privatização em si, nem o ajuste no preço da energia. O problema é a forma proposta.
É perfeitamente possível ajustar o preço da energia gradualmente, distribuir os pagamentos à União ao longo de vários anos e privatizar ou não cada unidade da Eletrobras individualmente, com base em uma análise transparente do valor comercial e estratégico de cada ativo para o desenvolvimento do país.
Como o governo ainda não bateu o martelo sobre a operação, espero que considerações de longo prazo prevaleçam sobre a busca frenética por receitas no curto prazo.
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade