Formou-se em direito pela PUC-SP, é doutor pela USP e pós-doutor pela Universidade de Oxford.
Escreve aos sábados,
a cada duas semanas.
Há choque entre velha política e novo comportamento de aplicação da lei
Alan Marques/Folhapress | ||
Presidente do senado Renan Calheiros e o juiz Sergio Moro durante sessao no Congresso Nacional |
Há muita gente honesta e inteligente dizendo que em 2016 entramos numa forte crise institucional. Difícil discordar que vivemos uma crise, a questão é se é institucional.
O que sabemos é que não há sangue nas ruas, parlamentos e tribunais fechados ou militares nos palácios. Nesse sentido, não vivemos uma situação clássica de colapso institucional.
Evidente que a truculência do processo de impeachment, assim como a desfaçatez da revisão do pacto distributivista de 1988 pelos governantes de plantão apontam para uma profunda inflexão institucional, mas o cumprimento dos ritos e a inexistência de forte resistência social enfraquecem o argumento da ruptura.
Mais do que isso, as instituições não entraram em paralisia e as liberdades democráticas não foram suspensas. Parece pouco, mas basta olhar para Turquia ou Venezuela para entender o que é uma verdadeira crise institucional.
Entendo que nossa crise seja de outra ordem. Ela é resultado de um choque inusitado entre a velha forma de fazer política e negócios no Brasil e um novo comportamento das agências de controle e aplicação da lei.
A corrupção e a captura do Estado por interesses privados são práticas muito antigas e arraigadas no país, mas que sempre contaram com a lei e seus agentes como fiéis colaboradores.
O que é novo, o que surpreende, é o confronto entre as instituições de representação política e as instituições de controle e aplicação da lei. Isso é que está provocando uma forte desestabilização no modo de se fazer política.
Setores da polícia, Ministério Público e Justiça, tradicionalmente dóceis, coniventes e mesmo beneficiários desses esquemas, passaram a desafiar um sofisticado equilíbrio que tem permitido a espoliação do Estado brasileiro por séculos.
Múltiplas podem ser as razões dessa mudança de comportamento das agências de aplicação da lei, das mais virtuosas às mais mesquinhas.
O fato é que essas razões, associadas a potentes ferramentas institucionais, como delação premiada e autonomia funcional, puseram em xeque as tradicionais estratégias de conciliação, que só se faziam possíveis graças à inexistência, no Brasil, de efetivos mecanismos de controle horizontal do poder, como reclamava meu querido professor Guillermo O'Donnell.
Deve-se reconhecer que o indiciamento, processamento, condenação e prisão de ex-governadores, parlamentares e poderosos empresários, figuras até ontem tidas como intocáveis pela lei, constituem
uma profunda ruptura com o padrão de impunidade das elites, que se tornou a regra no Brasil.
Nesse contexto, é natural que as narrativas e, sobretudo, as iniciativas para provocar uma verdadeira crise institucional ganhem força e coloquem em risco um importante movimento no sentido de estabelecer um novo padrão de relacionamento entre os poderes do Estado, marcado menos pela harmonia e mais pela competição institucional.
A retórica da fragilidade ou do colapso das instituições beneficia apenas aqueles que, pela primeira vez, veem suas expectativas de perpetuação no poder e de eterna impunidade frustradas. Nada une mais nossos corruptos e corruptores, neste momento, do que a ideia de que nossas instituições entraram em crise.
Sucumbir a essa retórica, além de ingênuo, pode ser perigoso. Na noite institucional, todos os gatos são pardos.
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