paula cesarino costa
ombudsman
Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.
De costas para os números
Em 7 e 8 de dezembro, o Datafolha foi às ruas para ouvir eleitores sobre em quem pretendem votar para presidente. Depois de quase 3.000 entrevistas, o instituto consolidou os dados e enviou relatório para a Redação da Folha, com as principais conclusões da pesquisa eleitoral.
"O ex-presidente Lula (PT) ampliou a liderança no primeiro turno na disputa pela Presidência em 2018 e, nos cenários de segundo turno, só seria derrotado por Marina Silva (Rede). O petista, porém, segue como o mais rejeitado entre os nomes testados, agora ao lado do atual presidente, Michel Temer (PMDB), cujo índice de rejeição cresceu mais de dez pontos desde julho."
Cabe à Redação fazer o tratamento jornalístico das informações que recebe do Datafolha e decidir quando, como, quanto e o que publicar.
A pesquisa foi apresentada aos leitores da seguinte maneira, na edição de 12 de dezembro: "Marina é líder em todos os cenários de 2º turno", dizia a manchete da primeira página. O subtítulo completava: "Lula sobe no primeiro turno em relação à pesquisa de julho, mas mantém alta rejeição, diz Datafolha".
Na edição concluída às 21h26, o título de página dizia: "Marina lidera disputa presidencial de 2018". Na edição finalizada às 00h18, esse título foi alterado para "Marina lidera disputa de 2º turno para 2018".
Como é fácil perceber, o enfoque dado pela Redação foi tortuoso e chegou a estar errado no título acima reproduzido —não corrigido pela Redação até a conclusão deste texto.
Na crítica interna, observei que no mesmo espaço da manchete da Folha era possível dar informação mais precisa e completa: a de que Lula lidera a pesquisa no primeiro turno, mas Marina está à frente nas simulações de segundo turno.
Além disso, em gráfico publicado na capa do jornal com a rejeição aos nomes apresentados, consta em primeiro lugar Lula com 44%, mas foi omitido o nome de Michel Temer, justamente o mais rejeitado com 45%.
As decisões editoriais da Folha levaram a uma série de críticas de leitores, apontando manipulação do jornal. "É um tributo à desinformação, que deprecia o conceito do jornal frente a seus leitores!" exclamou o leitor Luiz Abrahão. "Não seria mais digno apresentar os dois vencedores na capa?", sugeriu a leitora Lucília Magalhães Oliveira.
Na minha avaliação, além de se equivocar na edição da pesquisa Datafolha, o jornal perdeu a chance de transformar o resultado da pesquisa numa pauta aprofundada e relevante: tentar explicar como e por que Lula teve um desempenho melhor do que na última pesquisa se ele tem sido quase diariamente personagem de notícias negativas.
De forma geral, o ex-presidente ganhou pontos em todos os segmentos da população. Marina continua à frente nos cenários de segundo turno em que seu nome é incluído, mas Lula reduziu a vantagem.
Menos mau foi que, cinco meses depois de deixar de publicar parte de pesquisa Datafolha que apontava que a maioria dos brasileiros era favorável à renúncia de Dilma e Temer em favor de eleições diretas, o jornal destacou que 63% dos brasileiros são favoráveis à renúncia de Temer, seguida de novo pleito.
Muitos leitores questionaram também a validade de realizar uma pesquisa eleitoral dois anos antes da data de sua realização.
As pesquisas são uma tradição da Folha e fornecem baliza importante do comportamento dos eleitores, mesmo com tanta antecipação e possibilidade de mudança do quadro político-eleitoral.
Coube ao colunista Elio Gaspari fazer uma síntese clara da pesquisa e de sua importância. "Pesquisa de opinião em 2016 para uma eleição que está marcada para 2018 vale pouco mais que um horóscopo, mas o sinal que vem do Datafolha é claro: o caminho de 'todos os outros' será pedregoso. Marina Silva prevalece num segundo turno, contra Lula, Geraldo Alckmin, Aécio Neves e José Serra. Lula só perde para ela. Como ele mesmo disse, 'a jararaca está viva'".
O secretário de Redação, Roberto Dias, justificou a opção do jornal. "A eleição presidencial brasileira é realizada em dois turnos, salvo no caso de um candidato ter 50% mais um dos votos no primeiro turno –algo que não se desenha nem de longe em nenhum cenário testado até aqui e que não acontece no país há duas décadas. Mas é incorreto pensar que o jornal escondeu os resultados do primeiro turno. Estão publicados com destaque, inclusive no alto da primeira página da versão impressa", afirmou. Dias disse que a rejeição a Temer na primeira página foi omitida porque era "jornalisticamente menos relevante".
Acho frágeis os argumentos tanto sobre a rejeição quanto sobre a prevalência do segundo turno.
Vale registrar também o pouco destaque dado pelo jornal à pesquisa que avaliou o Congresso Nacional: 58% da população considera ruim ou péssima a atuação de deputados e senadores –a maior rejeição já registrada pelo Datafolha. Com o Legislativo na berlinda, foi noticiado na edição de terça (13), de forma discreta e sem análise.
A Folha foi o primeiro jornal a investir em pesquisas de opinião e a trabalhá-las com respeito à técnica e à metodologia. É hora de o jornal fazer as pazes com os números.
Em tempo de irracionalidade e passionalidade política, o apego às ferramentas jornalísticas da objetividade, da isenção e do equilíbrio ajuda a tornar o jornal mais necessário por seu relato preciso. Porque a passionalidade já toma as redes sociais de graça.
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