É empresário e conselheiro da Natura. Escreve às sextas, a cada duas semanas.
O novo se apresenta
Com a economia devendo retrair-se em mais de 3% neste ano, dá para compreender a falta de ânimo para falar de crescimento econômico e de inovação tecnológica.
Tal como a imagem popular, é como se não desse para chupar cana e assobiar ao mesmo tempo, embora os grandes avanços do pós-guerra na Europa e no Japão tenham acontecido em condições muito mais hostis que a recessão que vivemos. Também foi no auge do colapso do crédito, em 2008, que se constatou o maior salto da produção própria de energia nos Estados Unidos, graças às inovações na extração de gás e óleo de xisto.
Crises econômicas implicam grandes danos, mas só servem de álibis para governos fracos, incapazes de fazer a diferença quando se faz mais necessária a sua atuação. A recessão não deveria dificultar os projetos estruturantes nem o desenvolvimento tecnológico.
Ninguém lá fora vai tirar o pé do acelerador para nos esperar. E é fato que a tecnologia não cessa de avançar no mundo e é com ela que vamos ter de lidar quando a recessão e o desemprego saírem de cena.
A produção digital e robotizada, movida a inteligência artificial, ocupa o chão das novas fábricas nos EUA, na China, na Alemanha, na Coreia do Sul, no Japão, até no México, moldando a chamada indústria 4.0, que já nasce com a produtividade reforçada por processos mais sustentados, como a energia solar, cujo custo começa a se nivelar ao das formas tradicionais de geração elétrica nos EUA, na Alemanha e até no Chile.
Tais sistemas fazem da tecnologia o insumo estratégico dos modelos de negócios de última geração, ao unir a produção física a serviços de logística e de marketing. É uma mudança de padrão de crescimento do qual não podemos distanciar-nos, sob pena de virarmos entreposto de produtos importados.
Nesse modelo, não há lugar para burocracias asfixiantes, e bons fundamentos (como câmbio alinhado, tributos não excessivos, juros civilizados e inserção internacional) são o principal atrativo econômico.
Nada disso está à vista na política econômica. E também há pouco a ver em muitas de nossas empresas, inclusive as estrangeiras.
Felizmente, as pegadas da transformação necessária, ignorada pela política econômica, estão visíveis no dinamismo de nossas start-ups, as empresas emergentes de base tecnológica. Poucos as veem nos governos. Ou, então, tentam cerceá-las, para proteger interesses corporativos com regulamentos e tributos que abafam o empreendedorismo.
É o caso do cerco à chamada "economia colaborativa", o conceito em que as pessoas alugam, trocam ou compartilham serviços e bens, seja de carros (Uber), quartos da casa (Airbnb) ou aportes em projetos (crowdfunding), numa miríade de possibilidades, servindo-se de aplicativos no smartphone.
Ninguém está imune a tais movimentos, que implicam profundas mudanças, inclusive culturais, mas podem provocar impactos positivos na economia local, conforme observou o vice-presidente do MIT, Israel Ruiz, em recente entrevista.
Ele citou o exemplo de San Francisco, onde o Uber encolheu o mercado de táxis de US$ 200 milhões ao ano para US$ 120 milhões, mas elevou para US$ 1 bilhão a receita do setor graças à "sharing economy". Muita gente deixou de usar o carro próprio, melhorando a qualidade de vida e o ambiente.
Tal evolução está chegando ao Brasil, apesar dos obstáculos criados por grupos cartoriais e lobbies que se mantêm à custa do progresso e do bem-estar social, amparados por governos que desprezam a importância dos ganhos de produtividade.
É inspirador: o país à frente desses governantes. Mas, ainda, muito atrás no mundo devido ao tempo perdido.
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