renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Distraídos no Senado
Na final da Copa de 98, os jornalistas esperaram sentados por uma notícia que viria em hora e local previamente combinados. Mais tarde se soube que ela havia acontecido antes do jogo, longe do estádio e dos olhos da imprensa. Guardada a diferença de assunto, o fenômeno se repetiu na semana passada em Brasília.
Repórteres e colunistas voltaram sua atenção -e pediram a do leitor- para o discurso que Antonio Carlos Magalhães faria no Senado, o primeiro depois de perder a presidência da Casa para o inimigo Jader Barbalho.
Veio a terça-feira, ACM falou e, no dia seguinte, os jornais concluíram que não havia motivo para preocupação. O senador repetira "denúncias velhas" e, exceto por uma rápida menção ao dossiê Caribe, "poupara" o presidente Fernando Henrique Cardoso. "Morno", o discurso chegara a "tranquilizar" o Planalto.
Único a destoar do coro, o "Valor" informou em sua capa que FHC estava, ao contrário, muito irritado. Não com o que foi dito na tribuna, mas com o encontro realizado de véspera entre ACM e procuradores da República.
A chamada parecia senha para o que chegou, no dia seguinte, à versão online da "IstoÉ". Enquanto a tônica dos jornais foi a ausência de surpresa do discurso, o site da revista divulgou o teor da conversa no Ministério Público.
Nela ACM atirou para todos os lados (até, involuntariamente, em si próprio). E nada de poupar FHC: "Os dados que vocês receberam do Eduardo Jorge estão incompletos. O que pega Eduardo Jorge são os sigilos bancários de 94 e 98. Se pegar o Eduardo Jorge, chega ao presidente".
A diferença entre a desinformação de 98 e a da semana passada é que, no primeiro caso, o imponderável jogou um papel importante. Já o bate-papo de segunda-feira não pegou ninguém desprevenido. Todos souberam que ele ocorreu.
"ACM fala com procuradores e discursa hoje contra PMDB", chegou a registrar a Folha, em título, na terça-feira. Aparentemente, o jornal não se interessou em descobrir o que ele falou com os procuradores.
Resta entender por que tantos deram de barato que a notícia sairia do evento sob holofotes, não do encontro a portas fechadas.
Além da dificuldade para escapar do roteiro predeterminado, chama atenção, na atitude da imprensa, a pressa em dar ACM como morto, sem dúvida a análise que mais interessa ao governo.
É certo que seu isolamento atingiu dimensões inéditas (assim como o arco favorável a Fernando Henrique, que neste caso inclui até o PT), mas nada garante que ele não possa causar mais estrago.
Vale lembrar que FHC se viu obrigado a tirar do cargo, junto com os dois ministros carlistas, o responsável por um órgão (DNER) em que ACM vive a apontar corrupção. Sem falar na possibilidade de ressurreição do caso Eduardo Jorge.
Jornalismo obcecado por eliminar ACM informa tão mal quanto jornalismo deslumbrado pela figura do senador.
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade