É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
quartas, sextas e sábados.
Garantia de ridículo
RIO DE JANEIRO - Em dezembro de 1972, o Brasil sob Médici estava proibido de assistir a filmes como "Laranja Mecânica", de Stanley Kubrick, e "Último Tango em Paris", de Bernardo Bertolucci, recém-lançados em Londres e Paris. Mas todos sabiam da existência deles. Naquele fim de ano, redator da "Manchete", demos capa e seis páginas sobre "Último Tango" –com Marlon Brando e Maria Schneider nus em cena– e outras tantas sobre "Laranja Mecânica".
Em janeiro de 1973, fui trabalhar em Portugal. Salazar acabara de morrer, mas seus sucessores continuavam tocando a ditadura mais moralista da Europa. Sob a qual os dois filmes estavam não apenas proibidos, como a imprensa portuguesa não podia nem mencioná-los, muito menos dizer que estavam censurados e que havia censura no país. A asfixia era completa. Curiosamente, todas as publicações tinham de exibir um quadrinho no rodapé, onde se lia "Visado pela Censura".
No dia 25 de abril de 1974, a "Revolução dos Cravos" derrubou a ditadura, e uma das grandes alegrias daquela manhã foi ter em mãos um exemplar do "República", o pequeno e bravo tabloide vespertino dirigido pelo socialista Raul Rêgo. Os matutinos, como o "Diário de Notícias" e "O Século", tinham saído com o noticiário de véspera. Mas o "República" já trazia manchetes sobre a revolução e, no pé da primeira página, o quadrinho: "Este jornal NÃO FOI visado pela Censura".
Dias depois, "Laranja Mecânica" e "Último Tango" foram liberados em Lisboa. E outros filmes, que nem se sabia que estavam engavetados, também logo chegaram às telas. Um deles, "Irma La Douce", de Billy Wilder, com Shirley MacLaine e Jack Lemmon, estava proibido desde 1963 por ser uma comédia sobre a prostituição.
Os censores são incapazes de imaginar o ridículo que o futuro inevitavelmente lhes reserva. Esta é a nossa única vingança.
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