É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
quartas, sextas e sábados.
Fanatismo gera fanatismo
RIO DE JANEIRO - Aderindo ao movimento #AgoraÉQueSãoElas, cedo hoje com prazer esse espaço à escritora Heloisa Seixas:
"Quero falar de um homem muito conhecido e admirado, morto em 1996. Frases produzidas ou inspiradas por ele estão em camisetas, cangas, pôsteres e até muros e pilastras do Rio, onde suas inscrições foram preservadas como um patrimônio. Seu nome evoca um sentimento embebido de beatitude: Gentileza.
A imagem que ficou dele é de um velhinho magro, de cabelos compridos como os de um apóstolo, dedicado a pregar o bem, o amor, o respeito ao próximo –altos preceitos bíblicos. Fazia isso pelas ruas, brandindo estandartes como se fossem as Tábuas da Lei e ele, o júri, juiz e carrasco de sua execução.
Sua frase mais famosa foi 'Gentileza gera gentileza'. Mas Gentileza nada tinha de gentil. Ao contrário: foi uma das pessoas mais assustadoras que eu e outras de suas vítimas conhecemos. Um assediador.
Eu tinha 18 anos e passava todos os dias pela praça Quinze para pegar a barca que me levava à faculdade em Niterói. E era ali que se dava o nosso drama. Gentileza nos avistava –a nós, mocinhas, geralmente de jeans ou minissaia– e surgia aos berros à nossa frente. Não suportava ver mulheres de calça comprida ("Tira as calças do papai!", gritava, possesso) e de batom. Espumava: "São ofensas a Deus!". Nós corríamos, ele atrás. Nunca nos alcançou, mas, de tão agressivo, sabíamos que, se pudesse, nos daria uma surra ali, no meio da rua. Era humilhante e constrangedor. Tínhamos-lhe horror, e aquele apelido, Gentileza, era uma ironia.
Não se entende como a 'história' o absolveu. Incrível que tenha ficado como um profeta, dedicado à 'palavra divina'. Na verdade, era um desequilibrado, que usava a Bíblia de escudo para seu fanatismo. Como tantos hoje por aí."
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