É jornalista e escritor, publicou "Viva a língua brasileira!" (Cia. das Letras), em 2016.
Escreve às quintas.
Uma coleção de gulodices para quem tem fome de palavras
Tom Morris/Wikipedia | ||
Entrada de uma das lojas da rede de livrarias Foyles, em Londres |
A palavra "logoteca" não está nos dicionários. É um neologismo que significa coleção de palavras e que proponho aqui como tradução do inglês "philavery", também um vocábulo inventado.
Acredito que "logoteca" seja uma daquelas traduções que melhoram o original. "Philavery", definido como "coleção idiossincrática de palavras raras e divertidas", foi um termo cunhado sem rigor etimológico pela sogra do inglês Christopher Foyle.
Um mérito ninguém tira do dono da tradicional rede de livrarias Foyles: o de inventar um gênero, o glossário assumidamente afetivo de curiosidades vocabulares. Desde 2007, quando lançou "Foyle's Philavery", ele tomou conta de um pequeno mas bem-sucedido nicho editorial que já lhe rendeu outros dois títulos.
Esbarrei em "Foyle's Philavery" por acaso em Londres, anos atrás. Edição bonitinha, capa dura, formato pequeno, é um daqueles livros feitos para dar de presente que as livrarias, de olho em compras de impulso, costumam exibir ao lado do caixa. Funcionou comigo.
Se a ideia é boa, acho que a realização não ficou à sua altura. Está certo que, para um inglês, as palavras de origem latina que nos soam familiares tendem a ser as mais difíceis, mas é decepcionante encontrar num livro dedicado a vocábulos incomuns verbetes bobos como "decrescent", "evanescent" e "ethereous".
Ficou de todo modo o desejo vago de um dia brincar de logotecário também. A ideia de cultivar palavras raras como plantas de estufa parece cada vez mais excêntrica. A luta pela linguagem clara, pela universalização do direito de compreender, é um imperativo da democracia e vem crescendo mundo afora. Tem o meu apoio entusiasmado.
Acontece que, por isso mesmo, quem mantém com as riquezas vocabulares de qualquer época uma relação mais gulosa e sensual pode acabar se sentindo de dieta. Confesso que, como diria Eça de Queiroz, sou um desses monstros.
Desde que, nos prolegômenos (introdução) da adolescência, aprendi com Erico Verissimo que é coruscante tudo aquilo que reluz, dei para desenvolver um gosto talvez meio perverso pela palavra conspícua (que salta à vista).
A aura hierática (sagrada) que eu via em termos como "lábil" (escorregadio, instável) me transformou num funâmbulo (equilibrista, embora eu adore o "sonâmbulo fumante" sugerido pela minha filha) do léxico, pronto a arriscar uma queda no hermetismo em busca da pulcritude (beleza, por incrível que pareça).
Convém esclarecer: nunca gostei da logodedália (afetação da linguagem) e do estilo campanudo (pomposo) da nossa tradição odorico-paraguaçuense, que o Hino Nacional consubstancia (materializa).
Gostava –e gosto– é da palavra rara mas vadia, solta, coruscante, com sua capacidade de furar e encher de ondas concêntricas um texto, de resto, perfeitamente inconsútil (inteiriço).
Com o tempo fui ficando abispado (precavido). Aprendi que nada deixa o leitor mais atrabiliário (furioso) do que a prosápia (vaidade) de quem não descobriu as virtudes da morigeração (regramento) vocabular.
Tenho minhas recaídas, como se vê. Culpa de Christopher Foyle. Se –ainda?– não lhe dei o mole de escrever um livro baseado em seu "Foyle's Philavery", não é outra a inspiração para a modesta logoteca desta crônica.
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