Projetos de lei sobre segurança pública têm pouco impacto, aponta instituto
Daniel Marenco - 23.mar.14/Folhapress | ||
Policiais militares durante operação no Complexo da Maré, na zona norte do Rio, em 2014 |
Estudo inédito, que mapeou a produção legislativa que tratou de segurança pública no Congresso Nacional em 2015, revela que 40% dos projetos de lei apresentados na Câmara sobre essa área, no ano passado, propõem um endurecimento penal –aumentar penas que já existem ou tipificar novos crimes.
O estudo, feito pela primeira vez pelo Instituto Sou da Paz, será lançado em Brasília nesta quarta-feira (21), no encontro anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que reúne pesquisadores.
Para o instituto, em geral, os projetos impactam pouco na segurança –ou por serem de interesse de categorias específicas ou por surgirem na esteira de crimes de grande repercussão, fazendo exceções parecerem a regra.
"Há muito projeto ligado a aumento de pena ou criminalizando novas condutas, quando, na nossa visão, o que teria impacto maior no combate à criminalidade e à violência seriam os projetos de organização das polícias ou de medidas estruturantes para as polícias", diz Ivan Marques, presidente do Sou da Paz.
Um exemplo de projeto estruturante seria a PEC 430/2009, segundo Marques, de autoria do deputado Celso Russomanno (PRB-SP). A proposta revê o modelo de duas polícias (militar e civil), mas não avançou.
De um total de 4.262 projetos de lei apresentados por deputados no ano passado, 731 (ou 17%) tratavam de segurança –o que mostra, segundo ele, que o tema está na ordem do dia. Desses, tramitaram efetivamente 695 projetos (excluídos os arquivados ou retirados pelo autor).
Câmara e projetos de segurança pública
Dos 695, 265 preveem um endurecimento penal. Outros 61 tratam de temas considerados corporativistas, de interesse de policiais –como a criação de benefícios (em 44 casos) e de delegacias especializadas e outras questões operacionais (11).
Medidas tidas como "estruturantes", como controle externo da atividade policial ou formação e treinamento dos agentes, foram objeto de apenas dois projetos de lei.
"Chegamos à conclusão de que há baixa qualidade na produção legislativa e que o foco é mais ligado a questões corporativas das polícias ou dialogam com um sentimento de punição", diz Marques.
"A boa prática legislativa pressupõe que haja evidências de que existem situações numerosas o suficiente para aquilo se transformar numa regra geral", afirma.
Senado e projetos de segurança pública
O pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), concorda. Para ele, os legisladores geralmente partem de pressupostos cientificamente errados.
Por exemplo: segundo ele, policiais costumam dizer que a maioria dos homicídios está relacionada ao tráfico. Em 2009, porém, o Conselho Nacional do Ministério Público resolveu perguntar a 16 Estados quais as causas de seus homicídios.
Em nove, eram motivos fúteis, como brigas de vizinho ou crimes passionais. Em cinco, era o "crime profissional", como organizações criminosas ou matadores. E, em dois, houve empate (motivos fúteis e crime profissional).
"O Rio de Janeiro era o extremo do 'crime profissional', e foi tratado como vitrine, o que acontecia ali parecia estar acontecendo em qualquer lugar do país", diz Waiselfisz, gerando soluções erradas.
Outro assunto "quente" na Câmara em 2015, segundo o estudo, foi o controle de armas no país: foram apresentados 45 projetos de lei sobre o tema, 36 deles (ou 80%) para flexibilizar o estatuto do desarmamento, que, desde 2003, dificultou o acesso a armas de fogo e o seu porte.
Um dos exemplos, conforme a pesquisa, é o projeto de lei 3.260/15, de Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), que propõe que o Estado empreste uma arma de fogo para quem tiver a sua apreendida no curso de uma investigação criminal.
Já as 30 PECs (propostas de emenda à Constituição) sobre segurança apresentadas em 2015 na Câmara tratam majoritariamente da polícia em si, mas em 63% dos casos, de subsídios e remunerações.
Uma delas, a PEC 39/2015, do deputado Goulart (PSD-MG), quer mudar o nome da Polícia Militar para Força Pública. Uma das justificativas é "soar mais democrático".
REPRESENTATIVIDADE
Outra conclusão da pesquisa, segundo Marques, é que a proposição e o acompanhamento dos projetos, sobretudo na Câmara, são feitos quase exclusivamente por ex-policiais eleitos deputados. Vinte parlamentares (4% das 513 cadeiras) apresentaram juntos, em 2015, 42% dos projetos sobre segurança.
Quem propõe - Número de Congressistas que propõe projetos relacionados a segurança pública
"Parece natural [que isso ocorra], mas quando a gente joga para outras áreas, como educação e saúde, você não tem só médicos tratando de saúde pública e não tem só professores tratando de educação. São temas que todos os deputados propõem, participam da discussão", diz.
Segundo o Sou da Paz, em 2002, sete policiais ou militares foram eleitos deputados. Em 2014 foram 19.
O presidente da Comissão de Segurança Pública na Câmara, Alexandre Baldy (PTN-GO), afirma que é um desafio lidar com os interesses das categorias e a falta de um "pensamento macro", mas diz que é legítimo um policial eleito por uma categoria querer representá-la no parlamento.
"No âmbito da comissão, a gente percebe que a maioria dos projetos vão ao encontro do endurecimento penal. Eu creio que é a saída mais cobrada pela população", diz.
"Não é um endurecimento de que tenhamos que tornar as penas que existem mais severas. Temos que fazer que as penas que existem sejam cumpridas. A progressão de pena é um problema sério."
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