Culpar facção por assalto no Paraguai é resposta fácil, avalia especialista
Tratar o PCC (Primeiro Comando da Capital) como inimigo número um virou resposta fácil para todos os problemas nacionais e regionais de segurança pública. Por isso, é sempre preciso aguardar as investigações.
Essa é a avaliação de Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sobre a suspeita de que a facção paulista seja responsável pelo mega-assalto à empresa de valores Prosegur na madrugada desta segunda (24). A ação, em Ciudad del Este, terminou com o roubo de US$ 40 milhões (R$ 120 milhões) e ao menos quatro mortos.
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Folha - Faz sentido que o PCC seja o autor do assalto?
Renato Sérgio de Lima - Sim e não. Não porque há em curso hoje na América Latina, principalmente na América do Sul, uma tendência de fazer do PCC o novo inimigo regional e, com isso, deslocar o tema do crime organizado da agenda da segurança pública para a da segurança nacional.
Isso envolve não só interesses geopolíticos, de agências das Nações Unidas, mas também de recursos. Que o dinheiro saia das polícias, as enfraquecendo, e vá para as Forças Armadas ou para a Polícia Federal, as fortalecendo.
E o sim?
O sim remete ao fato de que o crime organizado no Brasil não produz principalmente cocaína, e precisa de rotas internacionais. O PCC teve na sua origem roubos a bancos, mas há muito tempo deixou de ter nisso sua principal fonte, que passou a ser o tráfico de drogas. Mas essa mistura entre grandes assaltos com o poder bélico do tráfico de drogas é recente e potencializado, sim, pelo PCC no Brasil.
Agora, quando você conversa com policiais que investigam o PCC no dia a dia, o assalto não é um modus operandi da facção. O PCC aluga equipamentos, armas, para os chefes que fazem os assaltos. Depois, em geral, esse dinheiro é usado para comprar um ponto de tráfico do próprio PCC ou de outra facção rival.
Esses pontos relativizam a suspeita de que o assalto foi feito pelo PCC. Só que isso não nos exime de muita investigação, muita inteligência.
A ação pode ter a ver com a disputa de territórios após a morte de Jorge Rafaat [chefe do tráfico supostamente morto pelo PCC]?
Ali na fronteira tem essa outra questão. O Paraguai acaba sendo hoje um dos principais centros, dizem, de lavagem de dinheiro do PCC no mundo. O dinheiro do PCC não está mais no Brasil. Soa estranho o PCC fazer uma operação dessa magnitude justo ali. Acabaria chamando a atenção das autoridades do Paraguai.
Eu não estou dizendo que não há chance, mas essa questão chama atenção. Por isso eu não cravaria, eu esperaria as investigações para dizer: "foi obra do PCC". Culpar o PCC logo de cara porque os criminosos falavam português é uma saída que interessa a muita gente, mas não necessariamente é o que aconteceu.
E a possibilidade de ser outra facção brasileira?
Seguindo essa lógica, seria plausível que fosse para prejudicar os negócios do PCC, que lava dinheiro ali. Também pode ter isso. Por isso a gente precisa investigar profundamente.
O PCC virou essa resposta fácil para os nossos problemas regionais e nacionais. Ele é sim um problema sério, mas não pode ser visto como culpado por tudo, senão a gente acaba escondendo problemas estruturais da região que não são só do crime organizado.
Que consequências o mega-assalto e seus desdobramentos podem ter para o Brasil?
Isso tende a piorar a relação dos dois países caso essa relação não seja pautada na confiança e na troca real de informações. A gente não pode olhar para o Paraguai como um quintal do Brasil, a gente precisa respeitá-lo e ao mesmo tempo cobrar que esse crime seja elucidado, e que as provas que dizem que o PCC foi o responsável sejam apresentadas, senão é apenas surfar na onda do inimigo do momento.
O esforço das empresas de valores em proteger suas sedes no Brasil após uma série de ataques no ano passado pode ter "empurrado" as quadrilhas para fora?
É possível pensar nisso. É um setor importante, que está cada vez se modernizando mais. Agora, a pergunta que fica –e isso as inteligências da segurança pública e da segurança nacional precisam resolver– é: se esses assaltos estão gerando um lucro tão alto, para onde está indo o dinheiro?
O nosso problema é sério porque o nosso modelo de segurança não conversa, por exemplo, com os bancos, com a Receita Federal, não integra dados. Se eu estou falando de R$ 200 milhões, que é o que estimam que tenha sido levado nesses mega-assaltos no Brasil, esse valor deveria estar acendendo alertas de lavagem de dinheiro ou de utilização, mas não está. Por quê?
Então é o efeito repetição misturado com a baixíssima eficácia da investigação criminal no país, porque a investigação criminal é vista apenas como o trabalho de uma das instituições, quando deveria ser a articulação de várias.
Como evitar ações desse tipo?
Inteligência. É a mesma estratégia de combate ao terrorismo. Várias ações terroristas são prevenidas pelo FBI e não se anuncia, e nem se deve anunciar. Só se anuncia quando dá errado. Mas quando é uma operação de US$ 40 milhões e ninguém evitou, é porque alguma coisa deu muito errado.
Neste momento, a gente precisa articular os nossos órgãos de inteligência tal como aconteceu nas Olimpíadas, quando tivemos um centro de inteligência no Rio de colocar inveja a qualquer primeiro time das forças de segurança. Se aquele modelo fosse adotado no país todo, nós saberíamos a real contribuição que o PCC deu nesse caso.
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