Taxista mantém casa de apoio e leva pacientes de graça a hospital em SP
Joel Silva/Folhapress | ||
O taxista João Valente em sua casa em Ribeirão Preto (SP), com pacientes que acolheu ao fundo |
Todos os dias, por volta das 5h, o taxista João Valente, 64, parte para mais um dia de trabalho em Ribeirão Preto (a 313 quilômetros de São Paulo).
Ao longo dos últimos 13 anos, reserva a primeira corrida do dia para um endereço fixo. A partir de uma casa no bairro Vila Virgínia, zona oeste do município, o taxista traça um caminho solidário até o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
De graça, Valente transporta pacientes que estão em tratamento. No final do dia, volta ao hospital para buscá-los.
A casa também é fruto da generosidade do taxista. Além do transporte, é ele quem oferece hospedagem e alimentação a essas pessoas, oriundas de outros municípios e sem condições de arcar com as despesas para dar continuidade ao tratamento no HC.
A ideia de manter uma casa de apoio é bem anterior aos 13 anos de fundação. Nasceu na década de 1970, época em que Valente trabalhava no HC como auxiliar de enfermagem e via de perto a realidade de muitas pessoas que viajavam de outras cidades e Estados para iniciar tratamento médico em Ribeirão Preto.
"Eu levava as pessoas que não tinham onde ficar para a minha casa, mas era impraticável. Não havia espaço para tanta gente. Minha mulher sempre soube do meu desejo, pois eu falava das pessoas que vinham para o HC e não tinham condições de se manter na cidade", afirma.
Até a concretização dos planos, Valente passou por diferentes experiências. Saiu do hospital, começou a trabalhar como taxista, chegou até a abrir uma empresa particular de ambulâncias -que transportava pacientes gratuitamente. Voltou ao táxi até que, em 2004, alugou uma casa que pertencia à sua mãe e começou o trabalho social.
O imóvel, que ficava próximo à avenida do Café (principal via de acesso ao HC), abrigou a casa de apoio até 2014, ano em que a mãe de Valente morreu, e o local foi colocado à venda. O taxista chegou a alugar outro imóvel, mas teve o mesmo problema: o dono colocou a casa para vender.
"Entrei em desespero, não tinha condições de comprar um imóvel. Comecei a pensar em cada criança que acolhi, em tantas pessoas carentes. Aquilo me deixou sem dormir por quatro meses. Fechar era hipótese muito dolorida."
Valente conseguiu então uma doação de um empresário e comprou a casa. A partir daí, as coisas andaram. Foram mais doações, que permitiram a ele reformar o local e alugar um segundo imóvel, vizinho ao primeiro. Juntas as duas casas abrigam, em média, 20 pessoas por dia.
Atualmente, os dois locais são mantidos por doações. A maioria delas, segundo Valente, graças às corridas que faz com o táxi.
"Tenho viva voz no carro, e muitas pessoas acabam sabendo do projeto quando ouvem os telefonemas. Elas contribuem com comida, pagamento de contas dos imóveis, entre outros. O táxi, nesse aspecto, é uma bênção, pois dificilmente as pessoas saberiam do nosso trabalho social", afirma.
FAMÍLIA
Lutando pela segunda vez contra um câncer no fígado, Cláudia Alves Lopes, 49, de Rio Verde (GO), frequenta a casa de apoio desde 2006. A amizade com o taxista vem de 1999, ano em que ela desembarcou pela primeira vez em Ribeirão Preto com o filho, que iniciava o tratamento contra um câncer no cérebro.
"Anos depois, quando ele soube do meu tumor, me ligou. Disse que tinha aberto a casa de apoio e que me aguardava para eu me hospedar durante o tratamento", diz.
O ambiente na casa, segundo a paciente, é de uma grande família. "Aqui conhecemos pessoas de vários lugares do país. Ficamos amigos, ajudamos uns aos outros."
"Há pessoas que chegam em Ribeirão e nunca sequer haviam viajado de ônibus. Quando vamos buscá-las, começamos a conversar, vemos a felicidade, a segurança que elas sentem de estarem em um lugar acolhedor. Isso não tem preço", afirma o taxista.
Ele agora sonha em adquirir um terreno onde possa construir chalés para abrigar os pacientes com mais conforto. Pensa também em um galpão no mesmo local para oferecer cursos profissionalizantes aos acompanhantes.
"Minha intenção é conseguir atrair pessoas que se identifiquem com a nossa ideia para prosseguirem com ela. Não quero que seja o 'trabalho do senhor João'. Quero que seja um legado coletivo."
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