Presídios estaduais são 'escritórios de organizações criminosas', diz juiz
Roque de Sá/Agência CNJ | ||
Juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior, coordenador do fórum permanente do sistema penitenciário |
Coordenador geral do fórum permanente do sistema penitenciário federal do CJF (Conselho da Justiça Federal), o juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior, 53, diz que as organizações criminosas querem comandar os presídios federais, a exemplo do que já fazem nos estaduais.
Em maio, uma psicóloga que atuava em presídio federal do Paraná foi assassinada, segundo as investigações, pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). O mesmo havia ocorrido em setembro de 2016 com um agente federal.
Em junho, as visitas nos presídios federais foram suspensas após ameaças.
Silva Júnior também é o corregedor do presídio federal de Mossoró (RN), onde estão alguns dos presos considerados mais perigosos do país, como os traficantes Fernando Beira-Mar e Elias Maluco, que matou o jornalista Tim Lopes.
O juiz defendeu que seja revista a lei que estabelece um prazo máximo de um ano, em estabelecimento federal, para retorno dos presos oriundos de presídios estaduais.
Leia trechos da entrevista concedida à Folha.
PONTO DE TENSÃO
Quem manda em presídio [estadual] em geral são os presos. As grandes organizações criminosas no Brasil não só foram criadas dentro dos presídios, pela forma como são os presídios, como também funcionam a partir dos presídios. Os presídios são os escritórios oficiais das organizações criminosas. Então eles querem o presídio federal da mesma forma, eles querem mandar no federal, esse é o problema.
MÁFIA
Nos presídios federais, até 2014, não havia ninguém da alta cúpula de uma certa organização criminosa. O que é uma coisa estranha, pois é a maior que temos. [...] Essa organização trabalha um pouco como um sistema de máfia. [...] Toda a imagem é que ela manda no presídio. No presídio federal, entretanto, quem manda é o sistema. Um preso pode aparecer uma coisa dura ou que seja afrontosa aos direitos humanos, por exemplo, tem que abaixar a cabeça quando o agente penitenciário vai fazer qualquer procedimento com ele. Isso é para evitar a afronta. O tratamento é uniforme, para todos. Se ele não aceitar, não vai ter o procedimento. Haverá a punição, não vai ao banho de sol etc. Ele sofre e uma hora ele finda abrindo [aceitando].
ESCALADA
Não existia a alta cúpula de uma certa organização criminosa em presídio federal, mas começou a chegar. O que aconteceu? Eles não conseguiram dominar o sistema, e foram dominados. E começaram a perder a imagem perante a população carcerária, não a federal, mas a estadual, 'ah, eles não são isso tudo'. [...] Pois bem, esses grupos atuam primeiro tentando corromper. Não conseguindo, vão para a ameaça. Não surtindo efeito, vão para a execução. Depois disso em conversas nossas internas, eu dizia isso direto, resultado é que começaram a matar agentes. E aí teve um absurdo que circulou, um ofício de um alto servidor público de Porto Velho dizendo que um preso falou de ameaças, inclusive contra um juiz.
Andressa Anholete/AFP | ||
REGIME
Nós temos os regimes aberto, semi-aberto e fechado, disciplinados em lei para esses presídios e também os estaduais, e o RDD, que é o regime mais duro. Digo que precisamos criar um quinto regime, que é um meio termo entre o RDD e o fechado em um presídio federal de segurança máxima com características próprias. Quais são? As celas são individuais.
O que nos garante de antemão que não tem superlotação, que é o problema maior de todo e qualquer presídio. Fora o horário de banho sol, o cidadão fica recolhido numa cela 22 horas do dia. Só duas horas para o banho do sol, visita social e visita íntima. Nos 11 anos de funcionamento nunca houve nenhuma fuga e nenhuma rebelião, porque o sistema é realmente seguro. O presídio federal é aquele Brasil que dá certo. Mas quando a gente debate: 'Há pontos que merecem revisão?' Não tenha dúvida. [...] O federal é a prova de fuga, mas não é a prova de 'salve' [orientações emitidas pelos presos para fora do presídio]. Ora, se o preso tem visita íntima, não tem quem impeça que ele passe as ordens de 'atacar os ônibus, destituir o chefe do tráfico etc'. Não vai acabar nunca. A gente está rouco de dizer isso.
PRAZO
Em 2006, o primeiro presídio federal ficou pronto e não tinha lei. Já havia um preso para ser colocado lá, Fernando Beira-Mar, e foi editada uma resolução pelo CJF para reduzir um problema existente no momento. O conselho disse: 'Olha, não é matéria para ser regulada por resolução, tem que ser lei, mas nós vamos editar pelo prazo de um ano e aí cuidem de aprovar a lei no prazo de um ano'. [...] Resultado: o Executivo entendeu a questão e editou a lei 11.671. Qual o problema? Eles basicamente pegaram a resolução, que foi feita sem um estudo maior, premido pela necessidade, e transformaram na lei. Aí tem essa coisa prosaica. A lei diz que o prazo máximo de permanência de um preso em presídio federal é de 360 dias. Por quê, de onde vieram esses estudos? Eu respondo: de canto nenhum. Foi da história da vigência da resolução por um ano.
'BANDIDO LONGE'
Nós temos essa coisa absurda, a história de 'que bandido bom é bandido morto'. Nesse ambiente, a gente está criando um outro estigma que seria 'bandido bom é bandido longe'. Para alguns Estados é como querer se livrar de um problema. Está tudo superlotado, não tem onde botar preso, e quando ele [Estado] tem uma oportunidade, quer se livrar do problema. O presídio federal não é para esse fim, não é para resolver o problema da superlotação.
PRIVATIZAÇÃO
O presídio federal é a prova viva de que a solução não é privatização, a solução é o Estado assumir com responsabilidade e inteligência essa área sensível. E mostra que o Estado é capaz, sim. É um sistema que funciona. A solução para os Estados é seguir esse modelo.
Quando se fala em presídio, há três coisas que são o tripé de toda e qualquer coisa: infraestrutura, que resolve o segundo problema principal que é a superlotação carcerária, e a outra é ter agentes penitenciários qualificados. É um trabalho complicado. Nós precisamos de gente muito qualificada porque senão ele vai ter a tendência de ser arbitrário, é o exercício de um poder muito forte que ele tem sobre um preso.
CAUSAS
Para você, qual é imagem da Justiça brasileira? Que ela é ineficiente, morosa, permissiva. Porém, de 1995 a 2012 nós tivemos um crescimento da população carcerária de quase 400%. Em 2012 foi quando ultrapassamos a barreira dos 300 mil presos. Hoje, segundo dados de 2016 do CNJ são 600 mil e poucos presos. Ou seja, o dobro em cinco anos, um crescimento exponencial. Agora pergunto, está resolvendo o problema? Ou a gente está criando o problema? Então o problema não é a Justiça decretar a prisão. O Brasil prende? Prende e muito. Mas prende muito mal. Nós temos a quarta população carcerária do mundo, atrás de EUA, China e Rússia. A gente precisa fechar a porta de entrada, e para isso as políticas sociais, e abrir a de saída.
VULNERÁVEL
A gente vai ter que criar políticas públicas e ter uma expertise maior, uma inteligência maior, para saber quem vamos mandar para a prisão. É impressionante a quantidade de pessoas do sistema carcerário semianalfabetas. Como [o escritor] Victor Hugo [1802-1885] dizia, para cada escola destruída é um presídio construído. Passa antes de tudo por tentar trabalhar com as causas.
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