THIAGO AMÂNCIO
BRUNO SANTOS
ENVIADOS ESPECIAIS A NATAL

Primeiro dia do ano, praia de Ponta Negra lotada, termômetro marca acima dos 30°C. Parece um verão comum em Natal, uma das capitais mais procuradas por turistas nessa época do ano. Esse "dia normal", porém, só ocorreu devido a presença de 2.800 homens das Forças Armadas em ruas do centro e áreas turísticas da capital potiguar.

Com três salários atrasados e alegando falta de estrutura para trabalhar, a Polícia Militar do Rio Grande do Norte não sai às ruas desde 18 de dezembro, e o Estado passa por uma onda de roubos e mortes. "A gente fica morrendo de medo. Mal saí de casa, não fiz nem compras de Natal. Só fico mais tranquilo agora, que o Exército está na rua", diz o auxiliar administrativo Carliano Cavalcante, 34, interrompido pelo companheiro, Timóteo Henrique, 29: "Mas eles só ficam aqui nas partes mais ricas ou onde tem turista."

Os militares estão na cidade desde a madrugada de 29 de dezembro, onde ficarão por 15 dias (que podem ser prorrogados). São 2.800 homens, a maior parte do Exército (2.000 deles), mas também da Marinha, Aeronáutica e da Força Nacional de Segurança, de Estados como Alagoas, Paraíba e Ceará.

O policiamento deu resultado no Ano-Novo. Foram 18 mortes violentas na cidade em 29 de dezembro (dia mais violento desde o começo da paralisação da PM) e 11 no dia 30. No dia 31 foram duas, e uma até o começo da tarde desta segunda (1°). Ao todo, quase cem mortes foram registradas no Estado após a PM deixar as ruas, segundo o Observatório da Violência Letal Intencional do RN. "A virada do ano foi efetivamente tranquila", disse o ministro da Defesa, Raul Jungmann.

Algumas cidade do Estado, como Parnamirim, cancelaram suas comemorações. Natal manteve a programação: shows pequenos na praia da Redinha e queima de fogos pela cidade, sem incidentes. Foram escalados pelo governo estadual para atuar na segurança dos principais pontos da festa de Réveillon 270 cabos da PM que começaram na sexta (29) o curso de formação de sargentos.

A falta da PM e o clima de ocupação militar, porém, não afugentaram os turistas. O arquiteto chileno Eduardo Rivas, 33, saiu de Santiago para curtir o verão com a mulher na cidade. Na praia de Ponta Negra, uma das mais famosas da cidade, ele diz que não se sentiu intimidado e que pretende voltar em outros anos. "Aqui é muito bonito. A única coisa que aconteceu foi que, outro dia, durante a noite, um homem disse para não andarmos pela orla porque ele viu um rapaz armado", afirma.

Os hotéis dizem que não houve cancelamentos em números expressivos e a areia das praias ficou lotada. Funcionários de uma locadora de veículos, no entanto, dizem que só no domingo 30 pessoas cancelaram suas reservas.

Embora tenha decidido ir à praia só depois que o Exército garantiu o patrulhamento nas ruas, a estudante Samara Martins, 22, apoia o movimento dos policiais. "Ficam três meses sem salário, ninguém aguenta. Estão reivindicando os direitos deles", diz a moradora de Monte Alegre, a poucos quilômetros de Natal, onde também houve arrastões, segundo ela.

SALÁRIOS

No domingo (31), o desembargador Claudio Santos determinou que os comandantes da PM, dos bombeiros e da Polícia Civil prendam em flagrante os agentes da segurança pública que promoverem, incentivarem ou colaborarem com a paralisação.

Determinou ainda o aluguel de 50 veículos para o patrulhamento e que o governo destine R$ 225 milhões da saúde para o pagamento dos salários atrasados.

A secretária de Segurança Pública e Defesa Social, Sheila Freitas, anunciou que vai cumprir a determinação e pediu que os policiais voltem ao trabalho já na terça (2).

Eliabe Marques, presidente da Associação dos Subtenentes e Sargentos Policiais Militares e Bombeiros Militares, um dos organizadores do movimento, diz que cumpre a determinação judicial: "Nós não estamos em greve."

Os agentes, aquartelados, se negam a ir às ruas sem receber os salários de novembro, dezembro e 13º. Afirmam também não terem fardas e coletes à prova de balas. Os salários de novembro dos funcionários que ganham até R$ 4.000, o equivalente a 86% da folha de pagamento das polícias, segundo o governo, foram pagos na sexta.

Do efetivo de 7.500 policiais, Eliabe estima que cerca de 80% tenham aderido ao movimento -em um dia inteiro, a reportagem encontrou duas viaturas da polícia nas ruas da cidade. Um policial que entra hoje para a corporação no RN recebe R$ 2.904.

Esta é a terceira vez que o governo federal envia militares ao Rio Grande do Norte em menos de dois anos. A primeira vez foi em agosto de 2016, para ajudar no policiamento durante uma série de ataques a ônibus e órgãos públicos. Em janeiro de 2017, as forças armadas também foram acionadas durante as rebeliões na penitenciária de Alcaçuz.

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