Antes de chegar a Santos, o navio em que estava Maria Luiza parou no Rio. Estava prestes a amanhecer e a viagem fora tensa –era 1938, às vésperas da Segunda Guerra, e a embarcação, alemã, atravessou o Atlântico em blecaute (o perigo era real: a imigrante contava que o mesmo barco foi torpedeado no caminho de volta para a Europa).
A exuberante alvorada carioca, presenciada pela primeira vez após dias de incerteza, foi das imagens mais marcantes registrada pela centenária, então uma jovem de 21 anos vinda dos Açores.
Instalou-se na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, onde Luiz, seu pai, começou um negócio de importação de bordados da Ilha da Madeira. Viveu 79 anos no bairro.
O paulistano que Maria Luiza conheceu ao chegar era muito diferente: segundo ela, uma população de baixinhos ensimesmados que teriam se diversificado com o tempo.
Loira, como é comum aos açorianos, foi confundida com alemã pelo leiteiro depois de o Brasil declarar guerra ao Eixo –ele se recusou a entregar o produto e foi devidamente enxotado pelo pai da moça.
Sua irmã mais nova, Manuela, enviuvou cedo e Maria Luiza passou a ajudá-la com as tarefas de casa. Seu papel foi fundamental na educação das sobrinhas Carla e Adriana. Não teve filhos próprios, apesar de ter sido casada com João, filho de libaneses que conheceu no ponto de ônibus.
Vaidosa e elegante, gostava de moda e decoração. A lucidez, marcada pelo brilho no olhar e pela destreza no tricô, foi mantida até o fim.
Morreu no último dia 4, aos 100, após complicações de um AVC. Deixa quatro sobrinhos.
coluna.obituario@grupofolha.com.br
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.