Sapucaí trará Carnaval com críticas sociais e políticas, de Crivella a Temer

Crédito: Ricardo Borges/Folhapress Rio de Janeiro, Rj, BRASIL. 11/01/2018; Alegoria da Mangueira que segundo o carnavalesco da escola é uma critica ao prefeito do Rio Marcelo Crivella. Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
Detalhe de carro alegórico da Mangueira que, segundo carnavalesco, traz críticas ao prefeito do Rio

LUIZA FRANCO
DO RIO

Nos barracões da Cidade do Samba está sendo gestado um Carnaval cheio de críticas sociais e políticas. Há ataques diretos –ao prefeito Marcelo Crivella (PRB) e ao presidente Michel Temer (MDB), por exemplo– e reflexões mais gerais sobre questões bem brasileiras, como o descaso com a segurança pública, saúde, educação e meio ambiente, e outras internacionais, como a crise migratória.

A pequena escola Paraíso do Tuiuti, que só entrou para o Grupo Especial em 2017, vai lembrar os 130 anos da Lei Áurea (1888), que extinguiu a escravidão no Brasil, com críticas à reforma trabalhista.

O último setor do desfile trará a fantasia "Guerreiro CLT". "Já sobrecarregado com várias funções, ele tenta se proteger da exploração patronal. Em sua defesa, usa sua combalida carteira de trabalho, transformada em escudo", diz o carnavalesco da escola, Jackson Vasconcelos.

A fantasia "Manifestoches" traz um pato inflável na cintura do componente, referência ao imenso pato amarelo instalado em frente à Fiesp, na avenida Paulista, que virou símbolo das manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

"O figurino é uma crítica à manipulação que faz com que os mais pobres 'lutem' pela manutenção de um velho sistema de exploração social. Ou seja, são fantoches de uma classe dominante que dita as regras", diz o carnavalesco.

No último carro, haverá um destaque vestido de vampiro representando a atual gestão do presidente Michel Temer.

"Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco" é o título do enredo da Mangueira e uma provocação direta ao prefeito Marcelo Crivella, que promoveu um corte de 50% das verbas municipais destinadas às escolas de samba, de R$ 2 milhões para cada uma para R$ 1 milhão.

Neste ano, as agremiações, na penúria, também ficaram frustradas com o anúncio de apoio do governo federal, que no fim das contas não veio.

Um carro representando um bar terá uma estátua de Nossa Senhora Aparecida, cuja imagem foi chutada num programa de TV por um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, da qual Crivella é bispo licenciado.

Outro carro terá um boneco escrachado da pioneira drag queen Laura de Vison (1939-2007), com peitos de fora e uma expressão desafiadora. Isabelita dos Patins também estará representada.

A escola ainda não decidiu se botará na avenida uma escultura de um bumbum, cheio de celulite, com uma tatuagem que diz "Crivella".

Num plano de crítica um pouco mais geral, o enredo da Beija-Flor fará um paralelo entre o romance de terror "Frankenstein" (1818), da escritora Mary Shelley, que completa 200 anos em 2018, com o momento do Brasil.

Uma ala representará o monstro abandonado e trará referências explícitas à crise da segurança pública, saúde e educação do Rio de Janeiro, além do descaso do poder público e da sociedade em relação ao meio ambiente.

O desfile também fará uma crítica à "ambição desmedida dos poderosos", nas palavras do responsável pela concepção estética do desfile, Marcelo Misailidis. "O cientista [personagem que cria o monstro Frankenstein no livro] é extremamente ambicioso e não tem nenhum limite nem responsabilidade. O monstro é um abandonado, somos nós. É uma releitura da obra em termos atuais", diz Misailidis.

INTOLERÂNCIA

A Portela, atual campeã do Carnaval, vai usar um episódio pouco conhecido da história do Brasil para falar sobre intolerância, xenofobia e a crise migratória internacional. O enredo conta a história dos judeus expulsos de Pernambuco que ajudaram a fundar Nova York, no século 17.

A última ala, a que mais fará conexões com os dias de hoje, tem referências explícitas à crise de refugiados. Um dos convidados para o desfile é Mohamed Ali, 33, sírio que foi hostilizado em Copacabana, onde vende esfirras.

Enredos de tom político fazem parte do Carnaval há décadas. Mas, recentemente, tinham perdido protagonismo para patrocínios milionários de ditadores (Beija-Flor, 2015), revistas de fofoca (Salgueiro, 2013) e marcas de iogurte (Porto da Pedra, 2012). Nos últimos dois anos, no entanto, críticas sociais e políticas voltaram à avenida.

Há algumas possíveis explicações para essa "retomada". A falta de patrocínio privado "libera" as escolas para fazerem enredos mais autorais. O Carnaval de avenida tem perdido a atenção dos foliões para o de rua, por isso as escolas tentam retomar o diálogo com a população, com temas presentes no dia a dia. Também há a própria gravidade da crise do país, que torna o assunto inevitável.

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