Com mantra 'treinar, comer e dormir', médico cuida de elite do surfe no país
Em um passado recente, o lugar de surfista era no mar. Só no mar.
O doutor Marcelo Baboghluian, que trabalha com medicina esportiva desde 1995 e cuida de seis dos dez atletas que vão disputar o Mundial de surfe, entre eles Gabriel Medina e Adriano de Souza, o Mineirinho, sabe bem disso, pois já brigou com vários treinadores.
"Os técnicos ligavam no meu consultório e perguntavam: 'o que o surfista está fazendo aí? Ele tem que estar na água treinando, e não aí'", diz Baboghluian em entrevista para a Folha.
Mas os tempos mudaram. E não apenas porque hoje Brasil já tem dois campeões mundiais –Medina, em 2014, e Mineirinho, em 2015. Mas sim porque a preparação do surfista, nos dias de hoje, é levada a sério e ao extremo do profissionalismo, bem como acontece em outros esportes, como futebol, vôlei e basquete.
Antes dessa nova geração de surfistas, encabeçada por Mineirinho, os atletas não tinham um acompanhamento médico tão próximo e nem uma preparação física adequada.
Agora, no começo de todos os anos, eles passam por uma avaliação clínica e laboratorial. São submetidos a vários tipos de exames e recebem orientação de grandes profissionais.
Em uma hora de entrevista, Baboghluian citou ao menos dez vezes um mantra que ele passa para os surfistas. A rotina de um atleta é, basicamente, "treinar, comer bem e dormir bem".
"Se fizer isso, já é meio caminho andado. E eles sabem que não existe mais aquela coisa de que surfista só surfa. Hoje eles são atletas profissionais e têm que ter disciplina", afirma.
TREINAR
Antes do início da temporada, que começa na próxima quarta-feira (9), em Gold Coast, na Austrália, os atletas fazem, geralmente, um trabalho físico de um mês, com dois períodos de uma hora e meia por dia.
Essa é a etapa mais importante para o surfista, pois é nesse período em que ele recupera a forma depois das férias e fica pronto para disputar as 11 provas no ano.
"Essa preparação é necessária porque a competitividade está crescendo cada vez mais e, se você não estiver bem preparado, vai ficar para trás. A gente surfa muito, então esse início é de extrema importância", afirma o potiguar Ítalo Ferreira, sétimo colocado no Mundial de 2015.
Não é só equilíbrio e elasticidade que fazem a diferença para os atletas. A resistência e a força também são pontos primordiais.
Em uma bateria, um surfista passa 80% do tempo remando e só 20%, de fato, surfando. A frequência cardíaca pode chegar a 210 batimentos por minuto.
A fisioterapeuta Carla Vianna criou até um treinamento integrado para Ítalo. Ela juntou o funcional com a musculação e o pilates para obter o melhor de cada método e melhorar o rendimento do potiguar no mar.
"O funcional trabalha a resistência e a mobilidade dele na água. A musculação é bem específica para a preparação muscular. E o pilates prepara o alongamento, o equilíbrio e a força", diz.
COMER BEM
Baboghluian explica que farináceo, açúcar e álcool estão completamente fora do cardápio dos surfistas. Eles são orientados a terem uma dieta entre cereais, proteína animal, legumes e verduras (de domingo a domingo).
No caso do surfe, seguir essa orientação se torna um pouco mais complicada, pois os atletas não são acompanhados de perto por nutricionistas ao longo da temporada e viajam para locais em que a refeição é bem diferente em relação ao Brasil, como Fiji, por exemplo.
"Eles precisam estudar o cardápio antes das viagens. Devem identificar quais são as fontes desses alimentos e saber o que o indivíduo come no local", afirma Baboghluian.
Os surfistas fazem, no mínimo, três refeições por dia. O café da manhã e o jantar são os mais importantes, pois eles passam muito tempo na praia, principalmente quando a competição pega um dia todo.
"A importância dessa preparação toda é absurda. Se ainda existe alguém que não pensa isso, está bem atrasado. Ninguém vai para uma Olimpíada ou um Mundial, seja qual for a modalidade, se não tiver um bom preparo", diz o paulista Filipe Toledo, quarto colocado no Mundial do ano passado.
Um surfista como Mineirinho, por exemplo, ingere cerca de 3 mil calorias por dia. Em época de treino, ele até perde peso. Por isso tudo é controlado.
"O surfe exige muito do nosso corpo. Estar em condições para enfrentar tudo o que ele oferece é vital para competir na elite", afirma Mineirinho, que é atendido por Baboghluian desde os 11 anos de idade.
Marcus Leoni/Folhapress | ||
Marcelo Baboghluian cuida de seis dos dez surfistas brasileiros que vão disputar o Mundial de 2016 |
DORMIR BEM
Um surfista precisa ter, no mínimo, oito horas de sono ininterrupto. Por isso, dorme cedo. Por acordar por volta das 6h para surfar pela manhã, costuma ir para a cama por volta das 21h.
"Toda regulação hormonal está relacionada ao sono. E os hormônios são determinantes na performance do indivíduo", afirma Baboghluian.
O médico aponta as redes sociais como o maior vilão.
"Eles têm que colocar o celular longe. Têm que desconectar, se não estão ferrados. Sou explícito em dar essa orientação a eles", afirma.
Os surfistas são orientados a criar essa rotina desde pequeno para atingir a alta performance. E, hoje, o país colhe os frutos. Não só graças ao talento. Mas também pela medicina e a dedicação nos treinamentos.
"Eu procuro sempre seguir as recomendações do doutor Marcelo e isso vem dando certo", diz Medina.
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