Gisele Bündchen diz que maior amor do seu marido é o futebol americano

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MARK LEIBOVICH
DO "THE NEW YORK TIMES"

Tom Brady estava mostrando ao visitante um conjunto de pastas gordas que ele guarda no escritório de sua casa, cada uma delas dedicada a uma de suas 18 temporadas como jogador da NFL. A pasta referente a 2016 começava por uma recordação especial.

"Eu guardei isso", disse Brady, o quarterback do New England Patriots, exibindo um documento diante da câmera. "É minha carta de suspensão."

A carta foi a comunicação formal que ele recebeu da NFL informando que ficaria excluído dos quatro primeiros jogos da temporada de 2016 por sua suposta participação em um "escândalo" que envolvia bolas de futebol americano murchas, conhecido como Deflategate –um caso no qual continua difícil acreditar. A câmera apanhou o rosto de Brady em um close, e o sorriso em seu rosto era meio abobalhado, meio satisfeito (com um leve traço de sarcasmo).

"Obrigado", disse Brady, ainda que não estivesse claro a quem ele estava agradecendo. Quando o quarterback virou a página, pronto, lá estava ele ganhando mais um título.

A cena surge cedo na primeira parte de uma nova série de documentários chamada "Tom Contra o Tempo", que será lançada ainda este mês no Facebook Watch, a plataforma de vídeos do Facebook. A série acompanha o atleta não só em sua busca de um sexto título do Super Bowl, na temporada 2017, mas também, como indica o título, em sua campanha permanente de subversão das tabelas atuariais de longevidade esportiva.

O documentarista Gotham Chopra obteve acesso amplo a Brady em situações íntimas que normalmente o veterano atleta prefere não expor. Há muitas cenas gravadas na casa de Brady em Brookline, Massachussets, com seus filhos e a mulher Gisele Bündchen, e nas férias da família na Costa Rica; o documentarista também acompanhou Brady em uma viagem a Montana com os colegas de time Julian Edelman e Danny Amendola, em uma viagem de verão à China com seu filho Jack, e no percurso de Brady entre sua casa e o centro de treinamento do Patriots em Foxborough, Massachusetts.

Uma sequência que mostra os filhos de Brady cantando junto com "Riptide", de Vance Joy, no carro com o pai, a caminho de casa depois de uma vitória do Patriots sobre o Miami Dolphins em novembro, é, para usar o termo artístico, muito fofa.

Um lugar em que Brady quase nunca é filmado é o Gillette Stadium –ou qualquer outra das instalações do Patriots. Para um jogador que simboliza a filosofia de "o time antes de tudo" que define o Patriots, parece estranho que Brady tenha permitido tamanho acesso à sua vida fora de campo, especialmente durante a temporada, e para um projeto que será lançado durante os playoffs. Afinal, o anódino princípio adotado pelo treinador Bill Belichick para o Patriots é o coletivismo, o "faça seu trabalho", e os jogadores do time não costumam buscar atenção. Esse é um dos muitos aspectos notáveis de "Tom Contra o Tempo".

Não fica claro se Brady informou o treinador sobre o projeto. Stacey James, porta-voz dos Patriots, disse que o time estava nominalmente ciente de que havia um documentário sobre Brady em curso, e que a organização buscou facilitar o acesso de Chopra nas poucas ocasiões em que ele quis acompanhar o time quando este jogava em casa. Mas, afora isso, determinar em que medida os patrões de Brady estão informados sobre o documentário continua envolto em mais um dos mistérios que caracterizam o Patriots.

Isso ganha ressonância especial diante de uma reportagem da ESPN na semana passada que descrevia tensões profundas entre Brady e Belichick, os dois pilares da grande dinastia da NFL no século 21. Sem duvida "Tom Contra o Tempo" vai dificultar ainda mais os esforços para manter a concentração que caracterizam os times da NFL –especialmente em Bunker Hill, a região entre Boston e Providence que abriga as instalações do Patriots.

Além disso, Belichick está quase completamente ausente dos documentários. O coordenador ofensivo do Patriots, Josh McDaniels, é retratado como o membro da comissão técnica mais presente junto a Brady, surgindo como uma voz no sistema de teleconferência ou conversando por vídeo com o quarterback enquanto este assiste a vídeos de seus jogos, discutindo ideias para novas jogadas nas partidas seguintes.

Chopra, filho do prolífico escritor de autoajuda Deepak Chopra, cresceu como torcedor do Patriots em Lincoln, Massachusetts. Ele trabalhou durante muitos anos como repórter de televisão em todo o mundo, antes de se radicar em Los Angeles, onde foi apresentado a Brady por amigos comuns uma década atrás.

Chopra desenvolveu um interesse no lado espiritual do esporte e das competições, sobre as conexões profundas que são estabelecidas e as emoções que são despertadas pelos jogos a que assistimos e que jogamos. Ele de vez em quando falava sobre o assunto com Brady, e por anos tentou interessá-lo em alguma forma de documentário sobre o relacionamento obsessivo que o atleta mantém com o futebol americano.

Depois da odisseia da temporada passada –com a suspensão de Brady pelo Deflategate, a batalha da mãe dele contra o câncer e a virada surreal do Patriots para vencer mais um Super Bowl, Brady por fim concordou em autorizar um vídeo sobre seu regime de treinamento entre as temporadas.

"Nós imaginamos que seria divertido registrar como é uma pré-temporada de treinamento para um atleta de 40 anos", afirmou Brady via e-mail.

A pré-temporada acabou mas Chopra e seus câmeras continuaram acompanhando o atleta ao longo da temporada. "Tom não é exatamente um cara sentimental", disse Chopra. "Mas creio que, em nossas conversas, ele tenha descoberto coisas novas sobre si mesmo. É como uma terapia. É um processo de expressar coisas, de dar voz a isso".

Deixando de lado qualquer relevância que os documentários possam vir a ter para os estudiosos dos segredos do Patriots, "Tom Contra o Tempo" é uma deliciosa atração para qualquer entusiasta da NFL que sinta curiosidade sobre um dos mais enigmáticos astros do esporte. No quinto episódio ("O Jogo Espiritual"), Brady discorre sobre as satisfações kármicas que o esporte lhe propicia.

"Eu quero descobrir os motivos da vida", diz Brady. "Quero saber por que estamos aqui, para onde vamos; quero tentar descobrir o propósito mais profundo. Viver esse processo por meio do esporte, de modo muito autêntico, faz todo sentido para mim".

Mais tarde no quinto episódio, Brady e Bündchen concedem uma entrevista juntos, e Bündchen descreve como é ter de compartilhar seu marido com o "primeiro amor" dele, o futebol americano. "Esse é realmente seu principal amor", diz Bündchen, indo além. "Francamente, essa é a verdade". Ela menciona que quando conheceu Brady, ele lhe disse que só queria jogar 10 anos, e que vencer só mais um Super Bowl seria o suficiente para fazê-lo feliz, mas todo mundo sabe que o amor custa a morrer.

"Não é um esforço, porque é parte de mim", disse Brady sobre o futebol americano. "Diante de 70 mil pessoas, sou quem eu sou. Se quero gritar com alguém, posso gritar com alguém. Posso ser quem sou de modo muito autêntico".

Quando Brady faz essa afirmação, é impossível não levar o raciocínio um passo adiante –o que Brady mesmo faz. "Para mim, é difícil sair do campo".

Uma das cenas mais fascinantes mostra Brady contemplando uma tela de computador como um zumbi, intenso e sereno. É como se ele estivesse ligado, de modo neutro, às imagens de jogo que está assistindo.

"Eu poderia literalmente assistir futebol americano o dia inteiro", diz Brady. "Poderia passar quatro ou cinco horas sem sair dessa cadeira". Ele começa assistindo jogadas daquela que pode ter sido a derrota mais difícil de sua carreira, a do Super Bowl de 2008, vencido pelo New York Giants –a única derrota do New England Patriots naquela temporada.

"Você está fracassando diante dos olhos de todo mundo", diz Brady, descrevendo a situação em terceira pessoa enquanto revisita o pesadelo uma vez mais. "É como aquele show de talentos de que você participou quando era criança. E no qual fracassou completamente".

Se considerarmos alguns dos acontecimentos desta temporada –tanto no futebol americano em geral quanto no Patriots–, os primeiros quatro episódios e meio da série, que o jornal "The New York Times" pôde assistir, deixam que alguns grandes elefantes passem sem menção, pelo menos até aquele ponto da série.

A série não discute, por exemplo, os protestos dos jogadores durante a execução do hino nacional norte-americano, que dominaram o começo desta temporada. (O presidente Trump, que deflagrou boa parte da discórdia relacionada aos protestos, fez questão de mencionar sua amizade com Brady em diversas ocasiões da campanha presidencial de 2016.) Tampouco há menção da troca realizada no meio da temporada, que enviou o reserva de Brady, e seu possível sucessor, Jimmy Garoppolo, ao San Francisco 49ers, e tampouco ao "treinador de corpo" de Brady, o polêmico Alex Guerrero, que supostamente teria sido proibido por Belichick de trabalhar no estádio do time.

(Não existe discussão da fricção quanto a Guerrero ainda que ele apareça diversas vezes do filme, quase sempre submetendo Brady aos tratamentos de flexibilidade que os dois desenvolveram como peça central de seu negócio de condicionamento físico e estilo de vida, o TB12.)

Chopra disse que provavelmente cobriria alguns desses tópicos nos episódios finais, ainda que muito dependa da trajetória do Patriots nos playoffs. "Ainda temos terreno a cobrir, e a história ainda não chegou ao fim", ele disse.

O Facebook informou que a data de lançamento da série é incerta, e depende de quando a temporada do Patriots acabe. O time enfrenta o Tennesseee Titans nos playoffs, no próximo final de semana.

Outro quarterback da NFL, já eliminado dos playoffs, rouba uma das cenas do documentário. Brady está em casa, recebendo uma massagem de Guerrero, quando seu filho Jack entra no aposento. Jack conta ao pai sobre um jogo de fantasia ou simulação da NFL no qual ele e um amigo estão envolvidos.

"Quem é o seu quarterback?", pergunta Brady. O filho responde em tom frio e decidido: "Cam Newton", jogador do Carolina Panthers.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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