Sabores d'além mar
Relação difícil entre colonizador e colonizado explicaria baixa adesão a pratos portugueses do dia a dia; saiba quais são eles e onde encontrá-los
"Quando Portugal chegou aqui, os índios só conheciam duas técnicas: os assados e os fervidos. Nós trouxemos todas as outras, do forno à fritura", afirma o chef Vitor Sobral, em referência aos mais de três séculos de colonização portuguesa no Brasil.
Por que será, então, que as receitas dos colonizadores não foram amplamente incorporadas à mesa brasileira, como aconteceu com o macarrão dos italianos?
O fenômeno, arriscam os pesquisadores, tem sua raiz na difícil relação entre colonizadores e colonizados.
Os primeiros portugueses que desembarcaram no Rio de Janeiro vinham das camadas mais baixas de trabalhadores e deixaram de herança as padarias e os botequins, onde ainda é possível encontrar pratos portugueses populares, como o cozido.
Já a elite que desembarcou no cais Pharoux em 1889, na companhia da família real, torcia o nariz para a cozinha pobre de seu país natal.
"O português da corte não trouxe a sua comida do dia a dia, só a festiva, que já tinha influência francesa", afirma a historiadora Eliane Morelli, da Unicamp.
Por essas razões, o receituário português ficou restrito às cozinhas domésticas e restaurantes mais simples durante séculos --e na terrinha bacalhau nunca foi considerada comida chique.
A história começou a mudar em 1977, com a inauguração do restaurante Antiquarius, no Leblon. Na casa fundada por Carlos Perico, que ganhou filial paulistana em 1990, o peixe salgado passou a frequentar as altas rodas.
O estilo se disseminou quando ex-funcionários abriram negócios próprios. Entre eles, A Bela Sintra, onde os pratos individuais, hoje, custam entre R$ 113 e R$ 206 --o proprietário, Carlos Bettencourt, foi sommelier do Antiquarius carioca.
"Ainda assim, a visão do brasileiro permaneceu muito limitada por um bom tempo. No Antiquarius, por exemplo, quase não havia vinhos portugueses", lembra Bettencourt.