Mônica Bergamo
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O MEU É MELHOR
Estádios alimentam rivalidade entre torcedores de SP, que rejeitam críticas e desdenham da casa dos adversários
O celular do economista Luiz Gonzaga Belluzzo apitava sem parar na quarta-feira (19), dia em que a nova arena do Palmeiras foi inaugurada, sinalizando as mensagens que chegavam ao aparelho do ex-presidente do clube.
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"O Belluzzão abre hoje!", dizia o amigo Rogério. "É de enlouquecer, amigo! Ser testemunha disso é demais!", afirmava outro. "Showzaço", endossava o jornalista José Roberto Burnier, da TV Globo. "Faltam algumas horas, professor. Mais uma missão cumprida. Tudo começou com você. Parabéns!", afirmava outro torcedor integrante do grupo de WhatsApp.
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"É um verdadeiro delírio!", diz Belluzzo sobre o envolvimento da torcida com a inauguração do estádio.
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Há sete anos, quando lançou a proposta de reformar o Palestra Itália, Belluzzo, então diretor de planejamento do Palmeiras, imaginava apenas "construir um estádio que gerasse receitas". O que era só uma ideia prática foi crescendo, crescendo e absorvendo o dirigente (em 2010, já presidente do clube, ele teve um "piripaque" e colocou quatro pontes de safena. O prefeito Gilberto Kassab levou ao hospital o presente: o alvará para a construção da arena). A torcida o seguiu num embalo ainda maior.
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"Fui percebendo que a relação das torcidas com as arenas, antes sem tanta importância, mudou --e no mundo todo, por influência da globalização do futebol. Todo grande clube hoje tem o seu estádio: o Barcelona tem o Camp Nou, o Real Madrid, o Santiago Bernabéu. Eles passaram a simbolizar a grandeza --e também a rivalidade dos times. Viraram verdadeiros templos, semissagrados."
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No jogo entre Palmeiras e Sport, que abriu a Allianz Parque, nome comercial da nova casa alviverde, o estudante Matheus Rubio era um dos milhares de fanáticos que invadiram a rua Turiassu. "É uma peregrinação. O Palestra Itália não é um estádio, é um santuário", bradava.
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A derrota para o Sport atrapalhou um pouco a festa. O local foi rebatizado pelos rivais na internet de "Ananias Parque", em alusão ao jogador do time pernambucano que se tornou o primeiro a balançar as redes do estádio. Outra piada foi a comparação da Allianz Parque com um ralador de queijo, publicada pela página "Corinthians Mil Grau", com mais de 300 mil fãs no Facebook.
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Já a página de humor esportivo "Olé do Brasil" fez montagem comparando o Itaquerão a uma impressora. O Morumbi, do São Paulo, é ironizado por adversários por nem sequer possuir título de "arena", o termo da moda.
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"O Morumbi tem história e tradição, coisa que os estádios do Corinthians e do Palmeiras vão levar 50 anos para ter", provoca Henri Castelli, são-paulino e integrante da torcida Independente, principal organizada do tricolor.
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O ator, que não foi aos jogos da Copa do Mundo no Itaquerão, em junho, deixa claro: jamais irá aos estádios adversários, nem mesmo para assistir a um show. "Não tem sentido fazer um estádio tão longe como o do Corinthians, além de ser uma arena bem feia. Já o Palmeiras vendeu tudo, ele não manda em nada no estádio", diz ao repórter Nicolas Iory.
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O ex-zagueiro Tonhão, ídolo da torcida alviverde na década de 1990, defende a nova casa do Palmeiras. "O estádio mantém a alma do antigo Palestra Itália." Sem citar o nome do estádio corintiano, emenda: "A gente respeita o Morumbi, a Vila Belmiro, o Pacaembu e o estádio do outro adversário, mas isso aqui é o top".
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"A Allianz Parque está em uma área de adensamento urbano, não sei se vai suportar grandes eventos", diz o corintiano Marcelo Silber, médico pediatra no hospital Albert Einstein. "E o acabamento não é igual ao da Arena Corinthians [ele evita usar o nome Itaquerão], que é espetacular. É um milhão de vezes melhor que o Morumbi e o Pacaembu. Não tem nem comparação."
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Silber é filiado ao Fiel Torcedor, programa de sócio-torcedor do Corinthians, e foi a 10 dos 16 jogos do clube já disputados no Itaquerão, inclusive na abertura do estádio, na derrota para o Figueirense, em maio. Para ver seu time jogar, o pediatra até já atravessou um oceano, em 2012, quando o alvinegro disputou --e venceu-- o Mundial de Clubes no Japão.
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Quando o surfista Pedro Scooby, marido da atriz Luana Piovani, chamou o estádio corintiano de "favelão", na abertura da Copa, Silber ficou inconformado. "Foi uma crítica estapafúrdia, sem sentido. Isso é um comentário elitista, beirando o preconceito." Como ele, centenas de torcedores protestaram contra o surfista na internet. Scooby então se apressou a negar a crítica. "Inclusive tenho uma camisa do Timão", defendeu-se em uma rede social.
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Há torcedores alvinegros que pedem, em fóruns virtuais, que o clube lucre com as piadas. A comparação do Itaquerão com uma impressora, por exemplo, poderia servir para que se fechasse um contrato com a HP, fabricante do aparelho.
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Dirigentes dos clubes são mais contidos. "Os estádios do Palmeiras e do São Paulo têm características diferentes das do Corinthians. Queremos ter estrutura que atenda bem o nosso cliente, e não ser melhores que ninguém", diz Lúcio Blanco, gerente de operações do Itaquerão.
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Os três estádios concorrem também no mercado de shows e eventos corporativos e sociais. A Arena Corinthians, segundo Blanco, quer atrair eventos empresariais. O clube, para proteger o gramado, não admite a montagem de palcos ou outras estruturas dentro do campo. "Mas é claro que, se houver interesse, temos a área externa, que pode atender até 35 mil pessoas", diz ele.
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A arena do Verdão será palco de duas apresentações que o ex-Beatle Paul McCartney fará nesta terça (25) e quarta (26). A próxima grande atração no estádio podem ser os Rolling Stones, que chegaram a ser cotados para tocar no Itaquerão.
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Em quatro anos, foram gastos cerca de R$ 700 milhões com a modernização do Palestra Itália. Tudo foi bancado pela WTorre, que vai explorar o estádio por 30 anos.
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"A Allianz Parque foi planejada para ser um espaço multiúso, e não só a casa do Palmeiras", explica Rogério Dezembro, diretor da construtora. "Tudo que foi possível construir para agilizar e baratear o custo de operação, seja de um show ou de um evento corporativo, foi feito."
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As inovações do estádio do rival, no entanto, não intimidam Douglas Schwartzmann, diretor de comunicação do São Paulo. Ele não acredita que o Morumbi será jogado para escanteio. "Temos mais três ou quatro propostas de shows, além do Foo Fighters [que toca no estádio em janeiro]", diz o dirigente.
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Apesar da rivalidade, é comum torcedores inspecionarem, digamos, a casa do adversário. O corintiano Marcelo Silber aguarda convite para assistir a um jogo na arena do Palmeiras. "Ninguém fala, mas todo mundo quer conhecer o estádio do outro", admite ele. Satisfeita a curiosidade, cada um volta à casa própria. Silber diz, por exemplo, que não faz "a menor questão" de retornar ao Morumbi.
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