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Sobre leis e salsichas
"Leis são como salsichas, é melhor não estar presente quando elas são feitas." A frase bem-humorada atribuída ao estadista alemão Otto von Bismarck (1815-1898) poderia ser aplicada com propriedade à maneira como são criados muitos bichos cuja carne se transforma em alimento para humanos.
Isso não quer dizer, porém, que apenas a fabricação de leis terá o poder de erradicar técnicas cruéis ainda hoje empregadas para a obtenção de proteína animal.
A discussão não se restringe à propaganda vegetariana, embora muitos argumentos só envernizem sentimentalismos deslocados.
Jornalistas sérios como o americano Michael Pollan e filósofos célebres como o australiano Peter Singer escreveram livros bem objetivos sobre porcas imobilizadas para não esmagar leitões valiosos e galinhas automutiladas sob o estresse de gaiolas com área menor que uma folha de papel.
Há razões também econômicas, além das éticas, para modificar as práticas de criação, como vêm fazendo algumas empresas gigantes do setor alimentar no Brasil --e sem que sejam obrigadas por lei.
O bem-estar animal é hoje uma demanda crescente dos próprios consumidores. O conglomerado Unilever, por exemplo, dispôs-se a apoiar estudos com vistas a diminuir a mortandade de pintinhos com um dia de vida.
A BRF e a Nestlé, por seu turno, firmaram com a organização World Animal Protection cartas de intenções que preveem melhorias na proteção dos bichos. A ideia geral é que animais como suínos e bovinos vivam em grupo com alguma liberdade de movimento, em recintos nos quais consigam desenvolver comportamentos naturais.
Trata-se de aperfeiçoamento ainda embrionário no país, que carece de sistemas reconhecidos de certificação para tais práticas. O selo Certified Humane conta no Brasil com uma única empresa agraciada, a paulista Korin.
A Korin cria todas as suas galinhas no chão, livres de gaiolas. Em 1995, quando começou, abatia 12 mil frangos mensalmente; a produção cresceu para os atuais 450 mil abates ao mês. A companhia prevê dobrar esse desempenho em dois anos.
Decerto esse ainda é um nicho de consumo, em que compradores mais exigentes aceitam pagar um sobrepreço pelo produto que, na sua percepção, é superior, ainda que por razões intangíveis.
É nessa direção, de todo modo, que o mercado se move, e uma indústria alimentar com pretensões globais não pode ficar alheia a esse tipo de pressão.