Rogerio Fasano
Dunga, o Donald Trump brasileiro
Vi motivos suficientes para que o técnico da seleção fosse demitido após frase infeliz sobre apanhar tal qual um afrodescendente
Fiquei pasmo com a infeliz declaração do técnico da seleção brasileira de futebol --"eu até acho que sou afrodescendente de tanto que apanhei e gosto de apanhar". É impressionante como a vergonhosa frase teve tão pouca repercussão, sobretudo em um país que insiste em se dizer não racista.
Fora o texto do sempre brilhante Paulo César Caju, a imprensa apenas noticiou a gafe sem nenhum questionamento mais profundo.
Vejo motivos suficientes para que o treinador da seleção brasileira fosse demitido, e posso afirmar que qualquer presidente de qualquer empresa que tivesse a infelicidade de dar uma declaração como aquela seria demitido por justa causa.
Qualquer ministro ou secretário de Estado também perderia o posto. Um pedido de desculpas apenas não repararia o dano gigantesco. Basta ver o que acontece com o exibicionista Donald Trump, que, ao lançar sua ira contra os imigrantes mexicanos, está sofrendo com pedidos de indenizações e boicote da comunidade latino-americana nos EUA.
Fico imaginando como os jogadores devem ter se sentido depois de ouvirem isso do seu "comandante" e me pergunto também se não seria o caso de todos se recusarem a continuar sendo comandados por alguém com essa visão.
Dunga não só foi campeão do mundo como era o capitão daquela equipe vitoriosa de 1994. Tenho por ele admiração como jogador batalhador que sempre foi, mas suas posições rancorosas, mal-humoradas e extremamente raivosas não fazem bem ao país --e não devem sequer fazer bem para ele, que raramente demonstra alegria.
O futuro do nosso futebol é tenebroso. Nesta Folha, previ um dia antes do jogo contra a Alemanha na Copa de 2014 que tomaríamos uma goleada histórica. Previsão que se concretizou no 7 a 1 --que nesta quarta (8) fez aniversário de um ano.
As seleções no futuro terão mais e mais jogadores de outras nacionalidades, que vão se naturalizar para representar nações que não as suas. Também se aproximarão cada vez mais dos melhores clubes do mundo, times que hoje nenhuma seleção tem capacidade de vencer.
Países que não conseguem manter seus craques jogando no país terão cada vez mais papel de coadjuvante. É por isso meu filho pequeno --e imagino que milhões como ele-- só quer assistir aos jogos dos campeonatos europeus.
Pois assim está nosso futebol e adoraria que ninguém mais escrevesse dos 7 a 1, pois, além do vexame, os alemães só não fizeram 10 ou 12 gols porque não quiseram.
Voltando à gafe de Dunga, o fato de ele ter usado o termo politicamente correto em nada ameniza a gravidade da declaração. Parece que, às vezes, as coisas entram num piloto automático e nós não paramos mais para pensar.
Na minha área, por exemplo, isso ocorreu com o prêmio dos 50 melhores da revista inglesa "The Restaurant" do qual todos sabiam se tratar de uma eleição impossível --sendo que hoje o prêmio é chamado nas rodas especializadas como o "prêmio Fifa da gastronomia".
Espero e acredito que Dunga não pense assim, e que daqui para frente sorria mais, pois não há muito o que esperar dos atuais jogadores que temos e com o nosso único craque sendo expulso depois do final da partida. Ninguém faz milagres.