Confira quatro livros de arte classificados como ótimos pelo 'Guia'
Julio Callado/Divulgação | ||
"Multi Elephas", obra de Barrão |
ARTE BRA: FERNANDA GOMES
Em época de maximalismos (disfarçados ou não), grandiloquências e monumentalidades de toda ordem, a obra de Fernanda Gomes se inscreve como dissonância profunda e sutil, que só pode se impor "sotto voce", nas nuances, no equilíbrio dos detalhes. Pois o "coisario" de elementos, materiais e objetos ativados por ela se faz plena cosmologia estética, em sua relação com a arquitetura, o espaço, a luz, com a criação de outras distâncias.
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Sua poética é uma ecologia visual que recupera o deteriorado e descarta o mitificado; sua economia de meios ultrapassa categorias minimais, convida a escutar com os olhos seu silêncio incorporado. Na entrevista desse livro, a artista confessa: "Tudo é fato ético-estético".
Daí a porosidade molecular —nunca molar— do ínfimo, da nudez das coisas, que acompanha esta edição (que integra a coleção Arte Bra), talvez a mais sedutora e didática de sua obra, porque as imagens se adequam à leitura visual como um vocabulário da artista: os aspectos valendo tanto como o conjunto, dispersão e contenção religando-se para subverter as escalas. A partitura de coisas dispostas para tocar outro real é feita sempre com os pedaços insignificantes, deteriorados. (ADOLFO MONTEJO NAVAS)
AUTOR: Fernanda Gomes (coordenação de Luiza Mello e Marisa Mello)
EDITORA: Automática
QUANTO: R$ 35 (160 págs.)
AVALIAÇÃO: ótimo
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ARTE BRA: BARRÃO
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O primeiro livro de Barrão, membro do Chelpa Ferro, coloca os pingos nos is de uma poética que trabalha a "assemblage" de objetos de forma irreverente (de eletrodomésticos e aparelhos a louças e porcelanas). Nessa dessacralização humorística do imaginário "kitsch", a dimensão alegórica não para de crescer.
A associação nuclear objetos-coisas faz saltar pelos ares os registros funcionais. E nessa mistura, em que isso não é mais aquilo, as peças-acidente de Barrão apresentam uma libertação anárquica da "coisa" como totalidade por meio de "coisas-fragmentos". Assim, a cabeça de um camelo pode ser uma árvore —e a memória cultural sofre uma pane imagética, um choque animista.
Se a simplificação com que encaramos a objetualidade vem de longe, o acervo híbrido de Barrão ganha a espessura simbólica de um manifesto estético, pois o moto-contínuo linear dos objetos se vê alterado por paradoxos. Além de trabalhos históricos e mais desconhecidos (os desenhos), a entrevista com o artista favorece a empatia com uma visualidade oxigenante. (ADOLFO MONTEJO NAVAS)
AUTOR: Barrão
EDITORA: Automática
QUANTO: R$ 35 (192 págs.)
AVALIAÇÃO: ótimo
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CAO
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A cultura visual obriga, nos livros de arte, a uma outra experiência gráfica, como acontece neste volume de Cao Guimarães, que foge da ilustração ou de seus correlatos, plugando-se no imaginário aberto e caleidoscópico das imagens do artista (filmes, vídeos, fotografias) como "fotoframes". Com diferente tradução compositiva nas páginas, elas estabelecem mergulho visual próprio, cuja passagem às obras matrizes só é aludida no sútil glossário de Moacir dos Anjos.
Numa fenomenologia poética que traça seu itinerário em 617 ilustrações, a imagética voa. O "logos" dessa linguagem visual, tão rente ao chão (do cotidiano, da vida, do afeto), se converte em sopro, encarna as emanações das coisas quase inapreensíveis que ainda celebram o micro-macro deste mundo.
Se os 27 verbetes amplificam a miríade de sentidos perceptivos e cognitivos da obra, a partir da simbiose entre as imagens e os textos do artista (fragmentos autônomos ou anotações de diário visual), a interrogação é a mesma: procurar a fábula do ver, não necessariamente o que está à vista, como se fosse a única realidade. (ADOLFO MONTEJO NAVAS)
AUTOR: Cao Guimarães
EDITORA: Cosac Naify
QUANTO: R$ 80 (336 págs.)
AVALIAÇÃO: ótimo
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O CUBISMO
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Marco inaugural do movimento cubista, o quadro "Les Demoiselles d'Avignon", de Pablo Picasso, sugeriu a Apollinaire a seguinte reação, sintomática do caráter revolucionário da obra e do movimento: "Não é possível levar o cadáver do pai para todo lugar".
Este livro de Serge Fauchereau, com mais de 200 reproduções coloridas, é um guia precioso para, mais de um século depois, se tomar pulso da radicalidade e das consequências (muitas delas atuais) do cubismo nas mais diversas artes e no seu âmago, que o crítico define com uma metáfora religiosa: uma espécie de novo "jansenismo" que, tendo em Picasso o seu Pascal, calcava seu credo estético em elementos como a austeridade antirromântica, a busca de um equilíbrio estático na contramão da ênfase impressionista no fugidio e no transitório, a quebra das convenções sobre o belo, a geometrização alheia à verossimilhança. (CAIO LIUDVIK)
AUTOR: Serge Fauchereau
TRADUÇÃO: Marcela Vieira e Julia Vidile
EDITORA: Estação Liberdade
QUANTO: R$ 138 (256 págs.)
AVALIAÇÃO: ótimo