"Não sou um representante da Palestina", diz Joe Sacco em sabatina da Folha
"Sou um jornalista subjetivo, mas tento ser honesto", afirmou o quadrinista maltês Joe Sacco, 50, em sabatina promovida pela Folha e pelo UOL na noite desta segunda-feira (11), no Teatro Folha, em São Paulo.
Conhecido por inaugurar o gênero da reportagem em quadrinhos, o autor dos livros "Uma História de Sarajevo" (Conrad), "Notas sobre Gaza" (Companhia das Letras) e "Palestina" (Conrad) disse que simpatiza com a causa palestina, mas sem ativismo. "Tento dar voz a eles, ainda que isso às vezes seja prejudicial à sua imagem. Não sinto que deveria ser um representante do povo palestino. Meu papel é fazer quadrinhos, uma crônica do tempo em que vivemos."
Radicado nos EUA desde a adolescência, ele contou ter se interessado pelas histórias do conflito entre árabes e judeus porque achava a cobertura da imprensa americana muito enquadrada por uma perspectiva pró-Israel. Ele acrescentou que percebeu, após o 11 de Setembro, uma tendência a associar muçulmanos com o terrorismo.
Sacco frisou que não é favorável a métodos extremos de nenhum dos lados.
"Terrorismo é matar civis por questões políticas. Eu rejeito isso, mas entendo os motivos dos palestinos. Não concordo com os métodos [como homens-bomba], mas é preciso dar um passo atrás e tentar entender por que essas pessoas sentem ódio pelos americanos."
Sobre seu método de composição, o desenhista disse se comportar como todo jornalista, com pesquisa prévia dos lugares para onde vai e muito mais entrevistas do que caberia na versão final. "Jornalista é como um médico. Um remove órgãos, e o outro, histórias. O que faço é tentar conduzir a forma de narrar do entrevistado." Enquanto conversa, ele busca informações visuais para compor a história. Por isso, acaba fazendo perguntas inusitadas do tipo "como você segurava a arma na época?".
Para não ser traído pela memória, já que leva até sete anos para concluir um livro, leva sempre consigo uma câmera fotográfica. "Minhas fotos são apenas referências. Também escrevo notas para mim mesmo que servem como lembretes. 'Desenhar crianças', por exemplo."
Marlene Bergamo/Folhapress | ||
Quadrinista Joe Sacco responde a perguntas durante sabatina Folha/UOL realizada nesta segunda-feira (11) |
MELHOR E PIOR MOMENTO
Questionado sobre suas lembranças das zonas de conflito, ele destacou a hospitalidade dos moradores de uma cidade no leste da Bósnia, em plena guerra. "Em outros lugares, como Sarajevo, as pessoas já não aguentavam mais jornalistas e fotógrafos, mas lá elas me convidavam para entrar em suas casas, me ofereciam doces. A presença de um estrangeiro era uma desculpa para celebrar. Foi um momento adorável. Como se o fato de eu estar ali desse a elas a esperança de que um dia também poderiam visitar outro lugar."
A imagem que mais o incomoda é a de deixar para trás amigos que fez nas viagens. "Me preocupa sair de Gaza sem que a situação esteja resolvida. Volto para a minha casa boa e confortável, enquanto a do amigo pode estar sendo demolida."
A ausência de cores nos desenhos de Sacco também foi abordada durante a sabatina. "Não sei trabalhar com cor. Nunca aprendi a usar. O estilo é também determinado pela limitação", brincou o desenhista, que citou o quadrinista Robert Crumb como uma de suas principais influências. "O que espero ter herdado dele é a forma como desenha objetos inanimados com alma." Entre suas referências também se incluem o jornalista Hunter S. Thompson (1937-2005), pela forma como conseguia transmitir uma visão de mundo em suas reportagens, e o escritor George Orwell (1903-1950), pelo estoicismo.
O cartunista não tem intenção de adaptar ele mesmo suas histórias para o cinema, como fez Marjane Satrapi com seu "Persépolis" --que ele, aliás, viu e gostou. "Adoro o suporte com que trabalho e o controle completo que tenho sobre ele. Contrato o elenco, sou o figurinista e posso ter mil figurantes. Estou negociando neste momento [uma adaptação], mas não quero me envolver."
Participaram da sabatina Fernanda Mena, editora da Ilustrada, Caco Galhardo, quadrinista da Folha, Marco Aurélio Canônico, repórter da Sucursal do Rio, e Pedro Cirne, chefe de reportagem do UOL Notícias.
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