crítica
Início de Garrel como diretor vislumbra carreira marcante
Há algumas razões para que o ator francês Louis Garrel estreie como diretor de longas, em "Dois Amigos", com a maturidade de um veterano.
A primeira é, digamos, hereditária. Ele é filho de Philippe Garrel, notável cineasta, e foi dirigido pelo pai em "Amantes Constantes" (2005) e "O Ciúme" (2013), entre outros.
A segunda é curricular. Com apenas 32 anos, Louis já trabalhou com uma lista bastante respeitável de diretores, como Bernardo Bertolucci ("Os Sonhadores", 2003), Bertrand Bonello ("Saint Laurent", 2014) e Christophe Honoré ("A Bela Junie", 2008).
Divulgação/Imovision | ||
Garrel e Goldshifteh Farahani em cena de 'Dois Amigos' |
A terceira, sem a qual as outras duas seriam inúteis, é a sensibilidade para absorver essas influências variadas e oferecer um olhar particular para o universo que aborda.
Talvez a principal lição aprendida com esses mestres do cinema contemporâneo tenha sido a de preservar o mistério de seus personagens.
Com roteiro escrito em conjunto com Honoré, "Dois Amigos" tem uma premissa simples: um triângulo amoroso entre uma mulher, um homem e seu melhor amigo.
Ela é Mona (a luminosa iraniana Golshifteh Farahani), uma condenada que tem permissão de deixar a prisão para trabalhar em um quiosque de uma estação de trem.
O apaixonado é Clément (Vincent Macaigne), um ator tímido e psicologicamente instável. E seu melhor amigo é Abel (Louis Garrel), um vigia extrovertido e com pretensões de se tornar escritor.
O filme nunca esclarece o motivo da prisão de Mona. Nem a razão da fragilidade mental de Clément. Nem o que uniu seres tão díspares quanto ele e Abel em uma amizade tão longeva quanto imperfeita. Esses enigmas só aumentam o encanto do filme.
O ponto de partida lembra a peça "Cyrano de Bergerac", mas com uma inversão: aqui o belo (Abel) é ainda o que domina as palavras e irá ajudar Clément a conquistar Mona.
Claro, as coisas dão errado: por causa dos dois amigos, Mona não consegue retornar à prisão depois do trabalho, interessa-se por Abel e abala a amizade deste com Clément.
O filme vai acompanhar dois dias e duas noites em que os três erram por Paris –o que dá a Garrel a chance de nos oferecer alguns belos momentos.
O maior deles é quando Clément leva Mona e Abel para atuarem como extras em um filme sobre uma manifestação de maio de 1968 –o que remete a "Amantes Constantes" e a "Os Sonhadores".
Ali, em meio à reencenação desse momento central da história francesa, Garrel consegue criar um balé de sedução e de negação sutil e sofisticado.
Nem tudo é perfeito: a errância dos personagens acaba por contaminar o filme –e, em seu terço final, a sensação é de uma narrativa girando em falso, repetindo situações e conflitos.
Ainda assim, essa bela e estranha ode à amizade é uma estreia alentadora, que vislumbra uma carreira marcante de Garrel também na direção.
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