CRÍTICA
Diretora japonesa emociona em indagações sobre a vida e a morte
Os devotos de primeira hora do cinema de Naomi Kawase podem se decepcionar com a mutação dos filmes da diretora japonesa rumo ao convencionalismo.
"Sabor da Vida" retoma e reafirma aspectos que já se apresentavam em "O Segredo das Águas", longa anterior de Kawase, e que para alguns indica diluição de temas e transformação do que foi considerado um estilo singular numa fórmula adaptada ao gosto global.
O novo longa reúne três personagens marginalizados que tecem laços em torno da produção de dorayakis, pequenas panquecas recheadas com doce de feijão.
Sentaro é um homem melancólico que gerencia a pequena loja para pagar a dívida contraída num incidente de violência. Tokue é uma idosa afastada da sociedade por ter sofrido hanseníase e ficado com as mãos deformadas.
Divulgação | ||
Cena de "Sabor da Vida", de Naomi Kawase |
Testemunha do encontro deles a adolescente Wakana, que encontra na loja um refúgio, quer abandonar a escola e mantém uma relação afetiva apenas com o passarinho que guarda numa gaiola.
A constituição de uma família informal e a produção do alimento como metáfora da invenção dos afetos são temas evidentes do filme. Em torno deles, Kawase reafirma sua indagação acerca do envelhecimento e da morte como etapas do ciclo vital que devolve os indivíduos ao domínio da natureza.
Desta vez, o espaço urbano substitui as evasões para o mundo rural que costumavam servir de símbolo para os processos de reintegração cósmica dos personagens nos outros filmes da diretora.
A presença de uma cerejeira próxima à loja expressa o princípio cíclico que a cineasta costuma adotar para significar a queda e a renovação. O êxtase sentido por Tokue sob seus galhos, a presença de uma flor na massa de dorayaki e a apoteose panteísta do final prolongam a unidade do físico com o metafísico constante no seu cinema.
Esse princípio continua a sustentar a progressão dramática e ainda se reforça com a nuançada maneira como o filme estrutura os ritmos a partir de elementos urbanos, como os trens que passam, a circulação das pessoas ou os horários de abrir e fechar a loja.
Mesmo que a organização desses temas por uma forma pareça se distanciar da profundidade subjetiva com que era apresentada na primeira fase da obra de Kawase, a visão de mundo da autora japonesa continua lá.
Se seu modo de narrar se tornou menos adaptado ao olhar teórico, sua busca por um cinema emocional tende a ganhar mais adeptos.
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