Crítica
Ambiciosa, nova montagem de 'Fosca' traduz essência da obra
"Pax tibi Marce, evangelista meus" ("Que a paz seja contigo, Marcos, meu evangelista"): o lema da cidade de Veneza ocupa o palco na montagem de "Fosca", de Carlos Gomes (1836-96), em cartaz no Theatro Municipal.
Assinada por Stefano Poda (direção, cênica, cenografia, figurinos, iluminação e coreografia), a produção é ambiciosa: sua intenção é oferecer uma contribuição real para que a obra seja resgatada para o repertório.
Célebre com o sucesso de "O Guarani" em Milão, o compositor brasileiro (nasceu em Campinas e morreu em Belém do Pará) estava no auge ao escrevê-la. Estreada em 1873 (também no teatro Alla Scala milanês), "Fosca" não teve a mesma repercussão.
O enredo narra o embate de nobres venezianos com corsários na Idade Média. Não muito antes do tempo em que se passa a história, os restos mortais do evangelista Marcos haviam sido trasladados de Alexandria a Veneza.
Divulgação | ||
Cena da montagem 'Fosca', ópera de Carlos Gomes, no Theatro Municipal de São Paulo |
No meio de tudo, Fosca, irmã do líder pirata, apaixona-se por Paolo, um nobre aprisionado. A direção de Poda opõe as tensões entre os dois mundos, mas também enfatiza como (paradoxalmente) negociam poder, ambição, crueldade, nobreza e perdão.
As personagens são mais fortes e delineadas do que em "O Guarani", o que permite ao compositor obter uma unidade compacta do discurso musical. O coro é utilizado com maestria, com alternância de técnicas e gêneros.
Na estreia na quarta (7) a música foi muito bem realizada pela Sinfônica Municipal e pelo Coro Lírico (minuciosamente preparado por Bruno Facio). Tomara que a orquestra não perca o ótimo maestro Eduardo Strausser, uma revelação da temporada.
A soprano alemã Nadja Michael (como Fosca) dominou a noite. Potência extraordinária, beleza vocal (com nuances particulares nos diferentes registros), expressiva e precisa cenicamente.
Estiveram muito bem os brasileiros Thiago Arancam (como Paolo) e Lina Mendes (Delia), além do italiano Marco Vratogna (Cambro). Luiz-Ottavio Faria (Gajolo) cresceu ao longo da récita: é bom ver cantores brasileiros de volta ao Theatro Municipal.
A última cena começa com um singelo e melancólico solo de viola. Poda posiciona o violista Alexandre de León no palco, em meio às sombras do movimento espectral do Balé da Cidade. Traduz a essência da ópera como espetáculo híbrido e total.
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