Antes de eleição no Irã, candidato linha-dura demonstra força

ANDREW ENGLAND
NAJMEH BOZORGMEHR
DO "FINANCIAL TIMES", EM TEERÃ

Quando Ibrahim Raisi, candidato linha-dura que vai disputar a eleição presidencial iraniana, começou a discursar para seus partidários que lotavam uma mesquita, as pessoas presentes já tinham sido mobilizadas, criando um clima de frenesi.

"Quando a semana terminar, Rowhani terá partido", gritavam milhares de pessoas sob um mar de bandeiras iranianas. "Tchau tchau, Rowhani."

Elas falavam do presidente reformista Hassan Rowhani, que Raisi, clérigo e ex-procurador geral do país, quer substituir após a eleição da sexta-feira (19).

O comício enorme realizado esta semana na maior mesquita de Teerã foi uma demonstração de força de representantes da linha-dura desesperados para reconquistar a Presidência. Para os reformistas, a multidão grande e o tom ameaçador ressaltaram os trunfos enormes em jogo nessa corrida eleitoral, que já está aprofundando as divisões na sociedade e no establishment político.

Pesquisas de opinião extraoficiais sugerem que Raisi estaria perdendo para Rowhani em intenções de voto, mas uma figura do regime bem informada previu que a disputa será apertada.

O resultado da eleição provavelmente vai determinar o ritmo e o rumo da abertura hesitante da república islâmica para o mundo, dois anos depois de Teerã assinar um acordo nuclear com os EUA e cinco outras potências.

Para os partidários de Rowhani sedentos de reformas, a eleição será um teste crucial da possibilidade de levar adiante o afrouxamento gradual das restrições sociais e políticas. Para a linha-dura, uma vitória possibilitaria um retorno a valores islâmicos mais conservadores e uma política econômica populista.

As mulheres, quase todas trajando a vestimenta preta tradicional, estavam segregadas no comício de Raisi. Bandeiras do grupo militante libanês Hizbullah tremulavam no meio da multidão.

O evento terminou com gritos de "morte à América". Não poderia ter sido um contraste maior com os comícios de Rowhani, que geralmente acontecem em estádios esportivos, com mulheres usando roupas da moda andando livremente entre os homens.

O desafio que os dois candidatos enfrentam é convencer os iranianos desiludidos de suas bases eleitorais a ir votar: a classe média e alta urbana, no caso de Rowhani, e, no caso de Raisi, os setores mais pobres e religiosos da sociedade, especialmente na zona rural e nas cidades do interior.

Roghayeh, balconista que abandonou a faculdade porque seus pais não podiam mais pagar as mensalidades, tem o perfil de uma eleitora típica de Raisi. Mas a jovem de 24 anos, trajando roupas conservadoras, duvida que a eleição faça qualquer diferença. "Não temos esperança para o futuro", ela disse. "O Irã é como uma árvore velha que apodreceu de dentro para fora."

Na quarta-feira (17), o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, exortou os iranianos a votar, dizendo que quanto mais eleitores comparecerem para votar, mais dignidade e respeito o Irã terá aos olhos do mundo.

A eleição acontece no momento em que a República Islâmica é alvo de atenção crescente, antes da visita do presidente americano Donald Trump a Israel e à Arábia Saudita, a rival regional do Irã, na próxima semana.

E líderes iranianos enxergam um alto índice de participação eleitoral como demonstração de apoio popular à República Islâmica, algo que utilizam para legitimar o regime.

A desilusão dos eleitores, um fenômeno testemunhado tradicionalmente entre os iranianos ricos que já desistiram de esperar por transformações sociais e políticas, hoje é algo visto cada vez mais também entre os setores mais pobres da população.

Após uma recessão profunda desencadeada pelas políticas populistas do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad e pelo endurecimento das sanções durante seu governo, a classe trabalhadora está decepcionada.

A economia voltou a crescer desde que o acordo nuclear entrou em vigor, com as exportações de petróleo dobrando após a suspensão de muitas sanções.

A inflação caiu de mais de 40% quatro anos atrás para 9,5%. Mas o índice oficial de desemprego entre os jovens chega a 26% e o Fundo Monetário Internacional diz que a receita per capita dos iranianos não mudou em relação a uma década atrás, enquanto a pobreza é crescente.

O resultado de tudo isso é que a economia passou a ser uma questão central da campanha eleitoral.

A principal promessa da campanha de Raisi é triplicar os benefícios pagos pelo Estado. Já Rowhani, arquiteto do acordo nuclear, pode capitalizar sobre o medo de que uma vitória possível de Raisi, que se cercou de aliados do ex-presidente, assinalaria o retorno ao caos econômico que caracterizou o governo de Mahmoud Ahmadinejad.

"Ahmadinejad deixou o país em caos e entregava dinheiro a todo o mundo", diz Hassan Avareshi, 72, que estava sentado na rua, limpando alfaces. "Se eles [a linha-dura] deixarem Rowhani fazer seu trabalho, ele poderá realizar grandes coisas."

O medo pode mobilizar os eleitores da classe média, muitos dos quais dizem que a eleição é uma escolha entre "o ruim e o pior".

Seja quem for o vencedor, Shervin, dono de uma loja de artigos importados em um bairro de alto padrão de Teerã, duvida que muita coisa mude.

Quem toma as decisões finais é o aiatolá Khamenei. A Guarda Revolucionária, o Judiciário e o clero conservador, todos os quais se acredita que apostem em Raisi, também exercem poder significativo.

Mas Shervin diz que vai votar na sexta-feira. "O voto é o único jeito que temos de protestar contra o regime", explicou. "Se elegermos Rowhani, isso vai mostrar ao regime que não queremos a linha-dura."

Com reportagem de MONAVAR KHALAJ

Tradução de CLARA ALLAIN

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