Quando o mundo é comandado por uma criança

DAVID BROOKS
COLUNISTA DO "NEW YORK TIMES"

Em certos momentos Donald Trump parece um autoritário emergente, um Nixon corrupto, um populista que move multidões ou um corporativista das grandes empresas.

Mas, enquanto se assentava em sua função na Casa Branca, Trump deu uma série de longas entrevistas, e quando se estudam as transcrições fica claro que, fundamentalmente, ele não é nenhuma dessas coisas

No fundo, Trump é um infantilista. Há três tarefas que a maioria dos adultos mais ou menos entendeu quando chega aos 25 anos. Trump não dominou nenhuma delas. A imaturidade está se tornando o tom dominante de sua Presidência, e a falta de autocontrole seu leitmotiv.

Primeiro, a maioria dos adultos aprendeu a ficar sentado quieto. Mas mentalmente Trump ainda é um menino de 7 anos que se move pela classe. As respostas de Trump nessas entrevistas não são muito longas –200 palavras no máximo–, mas ele geralmente se agita por quatro ou cinco assuntos antes de acabar em como a imprensa é injusta com ele.

Sua incapacidade de concentrar a atenção dificulta entender e dominar fatos. Ele é mal informado sobre suas próprias políticas e atropela seus temas de discussão. Isso torna difícil controlar sua boca. Em um impulso, ele promete uma reforma fiscal quando sua equipe pouco fez de trabalho real.

Segundo, a maioria das pessoas em idade de consumir bebida alcoólica adquire certo senso preciso de si mesmas, alguns critérios interiores para avaliar seus próprios méritos e deméritos. Mas Trump parece precisar de uma constante aprovação externa para estabilizar seu senso de individualidade, por isso está constantemente desesperado em busca de aprovação, contando histórias fabulosas sobre si mesmo.

"Em um curto espaço de tempo compreendi tudo o que era necessário sobre saúde pública", disse ele à revista "Time". "Muita gente disse que... algumas pessoas disseram que foi o melhor discurso que eu já fiz naquela câmara", disse ele à agência Associated Press, referindo-se a seu discurso na sessão conjunta do Congresso.

Pela própria avaliação de Trump, ele sabe mais sobre tecnologia de porta-aviões que a Marinha. Segundo sua entrevista à "The Economist", ele inventou a frase "priming the pump" ["estimular a economia", entre outros sentidos], apesar de ela já ser famosa em 1933. Trump não está só tentando enganar os outros. Suas falsidades são tentativas de construir um mundo onde ele possa se sentir bem por um instante e se enganar confortavelmente.

Ele é o maior recordista do efeito Dunning-Kruger, fenômeno em que a pessoa incompetente é incompetente demais para compreender sua própria incompetência. Trump pensou que seria comemorado por demitir James Comey. Ele pensou que sua cobertura na imprensa se tornaria extremamente positiva depois que conseguisse a nomeação. Ele é constantemente surpreendido porque a realidade não se encaixa em suas fantasias.

Terceiro, na idade adulta a maioria das pessoas percebe o que as outras pensam. Por exemplo, elas aprendem artes sutis como a falsa modéstia para que não sejam consideradas detestáveis.

Mas Trump parece ainda não ter desenvolvido uma teoria da mente. As outras pessoas são caixas-pretas que oferecem afirmação ou reprovação. Em consequência, ele é bizarramente transparente. Quer que as pessoas gostem dele, por isso está sempre dizendo aos entrevistadores que é muito amado. No dizer de Trump, toda reunião foi agendada para 15 minutos, mas seus convidados ficaram duas horas de tanto que gostaram dele.

O que nos leva às notícias de que Trump revelou uma fonte de inteligência e vazou segredos para seus visitantes russos. Pelo que sabemos até agora, ele não fez isso porque é um agente russo, ou por qualquer intenção maligna. Fez porque é desajeitado, porque não controla os impulsos e, acima de tudo, é um menino de 9 anos desesperado pela aprovação de quem ele admira.

A história do vazamento para a Rússia revela mais uma coisa: a periculosidade de um homem vazio.

Nossas instituições dependem de pessoas que têm traços de caráter suficientemente definidos para cumprir seus deveres. Mas Trump sempre parece ter menos do que parece. Quando analisamos as declarações de um presidente, tendemos a supor que há algum processo substancial por trás das palavras, que elas fazem parte de algum objetivo estratégico.

Mas as declarações de Trump não vêm necessariamente de algum lugar, levam a algum lugar ou têm uma realidade permanente, além de seu desejo de ser apreciado a qualquer momento.

Temos esta situação perversa em que os vastos poderes analíticos do mundo inteiro tentam entender um homem cujas ideias muitas vezes são apenas seis vagalumes piscando aleatoriamente dentro de um vidro.

"Nós queremos muito entender Trump, decifrá-lo", escreveu David Roberts em Vox. "Isso poderia nos dar alguma sensação de controle, ou pelo menos a capacidade de prever o que ele fará em seguida.

Mas e se não houver nada para se compreender? E se não houver nada lá?"

E desse vazio vem uma negligência que muito possivelmente revelou uma fonte de inteligência e pôs em perigo um país.

Todos os rolos do presidente

Ex-conselheiro de Segurança Nacional, renunciou depois de a imprensa revelar que ele mentiu ao vice-presidente Pence sobre os contatos que manteve com o embaixador russo nos EUA

Flynn também é suspeito de ter recebido pagamentos dos governos russo e turco por lobby; por ser um ex-integrante do Exército, a lei impede que Flynn aceite pagamentos de estrangeiros

James Comey

Crédito: 3.mai.2017/Xinhua O ex-diretor do FBI, James Comey, testemunha no Senado no último dia 3
O ex-diretor do FBI, James Comey, testemunha no Senado no último dia 3

O ex-diretor do FBI liderava investigação sobre o elo entre auxiliares de Trump com a Rússia; dias antes de ser demitido, ele havia pedido mais recursos para a apuração

Ele foi demitido por Trump no último dia 9; a Casa Branca afirmou que o presidente seguiu recomendação do secretário e do vice-secretário da Justiça

Dois dias depois, o "New York Times" afirmou que, em um jantar em janeiro, Trump pediu a "lealdade" de Comey, que respondeu prometendo "honestidade"

Na terça (16), o "NYT" revelou que Trump pediu a Comey, em fevereiro, que encerrasse a investigação sobre Flynn; o registro do pedido estaria em um memorando escrito por Comey

Informações para os russos

Crédito: Russian Foreign Ministry via AP This handout photo released by the Russian Ministry of Foreign Affairs, shows President Donald Trump meeting with Russian Foreign Minister Sergey Lavrov in the Oval Office of the White House in Washington, Wednesday, May 10, 2017. The Washington Post is reporting that Trump revealed highly classified information about Islamic State militants to Russian officials during a meeting at the White House last week. The newspaper cites current and former U.S. officials who say Trump jeopardized a critical source of intelligence on IS in his conversations with the Russian foreign minister and the Russian ambassador to the U.S. They say Trump offered details about an IS terror threat related to the use of laptop computers on aircraft.(Russian Foreign Ministry via AP) ORG XMIT: WX111
Trump e o chanceler russo, Sergei Lavrov, em encontro na Casa Branca, no dia 10

Também nesta semana, o "Washington Post" informou que Trump teria revelado informação confidencial ao chanceler russo, Sergei Lavrov, em uma conversa na semana passada, na Casa Branca

A informação sobre uma ameaça do Estado Islâmico teria sido repassada sem a permissão da fonte (Israel, segundo o "NYT"), e poderia comprometer a segurança de um colaborador dos EUA na região

Trump reagiu dizendo que tem o "direito absoluto" de compartilhar informações com a Rússia; a Casa Branca alegou que os dados não eram secretos

O presidente Putin disse nesta quarta (17) que poderia fornecer a transcrição da conversa entre Trump e Lavrov se os EUA autorizarem

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