Charlottesville luta contra legado escravocrata dos EUA e atrai radicais
Go Nakamura/Zumapress/Xinhua | ||
Policiais cercam monumento ao general confederado Robert Lee, que foi alvo do protesto supremacista |
Um mês após um comício da Ku Klux Klan terminar com a polícia usando gás lacrimogêneo para conter os manifestantes e seus oponentes, Charlottesville, uma cidade universitária calma no meio do Estado americano da Virgínia, parece sitiada.
Centenas de pessoas acorreram para o protesto convocado por ultranacionalistas brancos contra a decisão de retirar de um parque local a estátua do general Robert E. Lee, que comandou os Estados Confederados contra o Norte abolicionista na Guerra Civil (1861-65), ou para se manifestar contra ele.
Charlottesville, que tem como peça central a Universidade da Virgínia, fundada em 1819 pelo presidente Thomas Jefferson (1801-09), é uma cidade de perfil progressista onde quase 80% do eleitorado votou na democrata Hillary Clinton nas eleições presidenciais do ano passado.
Mas é, também, uma cidade entranhada na história do Sul dos EUA que ainda luta contra o legado escravocrata.
Segundo Jalane Schmidt, professora de estudos religiosos na universidade, 52% dos moradores de Charlottesville e do condado onde ela está, ou 14 mil pessoas, foram escravos na Guerra Civil.
Jefferson, cuja propriedade rural ficava a poucos quilômetros dali e ainda é adorado pela população da cidade, também tinha escravos.
Hoje os afro-americanos perfazem 19% da população, e a gentrificação —que traz pessoas de maior renda para áreas antes degradadas ou esquecidas, empurrando os preços dos imóveis para cima— tem expulsado vários da cidade, diz Schmidt.
O embate sobre a estátua de Lee em um parque que levava seu nome e foi recentemente rebatizado como Parque da Emancipação reabriu velhas feridas e trouxe à tona a tensão racial latente.
Eugene Williams, 89, ex-líder do braço local na Associação Americana para o Progresso das Pessoas de Cor, um dos mais tradicionais grupos ativistas do país, ainda se lembra de quando não podia comer nos restaurantes da cidade. Ele é a favor da manutenção da estátua para que as pessoas se lembrem da segregação racial que vigorou ali.
"Esta estátua tem uma lição a nos ensinar", diz.
O embate atraiu a atenção de dois ultranacionalistas brancos que estudam na Universidade da Virgínia, Richard Spencer e Jason Kessler. Em maio, Spencer, que ganhou notoriedade após a eleição de Donald Trump, liderou uma manifestação com tochas em punho, um símbolo da perseguição aos negros, em torno da estátua equestre.
No protesto da Ku Klux Klan em 8 de julho, a polícia estadual usou gás-pimenta para dispersar a multidão.
Kessler, que organizou o ato deste sábado e se intitula um "defensor dos brancos", afirmou em entrevista que seu objetivo é "desestigmatizar a defesa das pessoas brancas para que elas possam lutar por seus interesses assim como qualquer outro grupo".
As autoridades municipais haviam negado permissão para o ato no parque. A Associação Americana para as Liberdades Civis (Aclu), porém, entrou com uma queixa em nome de Kessler para que ele pudesse manter sua manifestação conforme planejado.
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