Condições do 'brexit' viram obsessão nacional no Reino Unido

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DANIEL BUARQUE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LONDRES

Na entrada da uma das maiores livrarias de Londres, na região de Piccadilly, os best-sellers que iriam virar presente de Natal disputavam espaço com mais de uma dezena de obras que tentam explicar um tema mais sério, espinhoso e bem menos divertido, mas que prende a atenção dos britânicos como nenhum outro: o "brexit".

O plebiscito que definiu que o Reino Unido sairia da União Europeia aconteceu em junho de 2016, mas o divórcio político e econômico se consolidou como tema mais importante para os britânicos ao longo de 2017, ano de negociações com o bloco europeu, e virou uma obsessão nacional.

Crédito: Daniel Leal-Olivas - 18.dez.2017/AFP Bandeira da UE tremula ao lado do Parlamento britânico; 'brexit' domina discussões no país
Bandeira da UE tremula ao lado do Parlamento britânico; 'brexit' domina discussões no país

O "divórcio" monopoliza atenções e deixa britânicos em compasso de espera. Um ano e meio depois da votação, o Reino Unido continua com indefinições não só em relação à separação em si, mas sobre toda a realidade futura do país. Enquanto isso, inflação, problemas econômicos, investimentos, políticas contra o aumento da violência e da desigualdade, tudo parece esperar uma resolução.

"O 'brexit' consumiu a política britânica", afirmou à Folha Tim Oliver, pesquisador da Universidade Europeia em Florença, do think tank LSE Ideas e da consultoria Brexit Analytics.

"A política britânica está obcecada com esse tema. O resto da União Europeia conseguiu isolar o 'brexit' como uma questão secundária, mas, para o Reino Unido, esse é o único assunto. Ele afeta muito a vida britânica e se consolida como algo que define o que o Reino Unido quer ser no futuro", disse.

Em sua avaliação, o problema é que o país não está debatendo o próprio futuro e pensa apenas nas disputas em torno do elo entre Londres e UE. "Isso é importante, mas até que o Reino Unido tenha uma ideia de que país quer ser —aberto ou fechado, com livre mercado ou protecionista, com poder centralizado ou não—, o novo relacionamento é uma distração."

O assunto domina tanto a atenção dos britânicos que, em pouco mais de um ano, mais de 40 livros sobre o "brexit" foram escritos —e o próprio Oliver, autor de uma das obras, desenvolveu uma "bibliografia" listando 47 títulos sobre a saída britânica da União Europeia.

Na academia, o tema também predomina, com centros voltados a pesquisas sobre o impacto da decisão de 2016 —isso apesar de a opinião de acadêmicos sobre o "brexit" ter sido motivo de polêmica e tentativa de censura por parte do governo.

REFUNDAÇÃO

Segundo Oliver, a obsessão em torno da separação gera problemas políticos e econômicos para o país. Ao longo de todo o ano de 2017, disse ele, o debate apenas reagiu aos acontecimentos à medida que eles se produziam, raramente olhando para o futuro ou sinalizando qualquer grau de controle ou estratégia por parte do Reino Unido.

Para o pesquisador, o país, que passa por uma refundação, deveria estar discutindo o que está por vir.

Segundo o cientista político Simon Usherwood, da Universidade de Surrey, o problema é que o governo da primeira-ministra conservadora, Theresa May, não tem a capacidade de lidar com nada além do "brexit".

"May reconhece que existem outras questões, o que contribuiu em parte para a falta de foco nas negociações da 'brexit'. Embora seja possível viver com esse desequilíbrio por um curto período de tempo, está claro que, uma vez que o calor do 'brexit' diminuir, dentro de alguns anos, o governo terá um importante programa com que terá que lidar", disse à Folha.

Autor do livro "Understanding Brexit" (entendendo o "brexit"), que deve ser lançado em 2018, Oliver diz que, apesar do foco por vezes equivocado, o divórcio da UE de fato vai além do simples debate político e faz o Reino Unido se deparar com uma série de questões.

Segundo o pesquisador, temas como identidade, sociedade, economia política, comércio, segurança, posição internacional, Constituição, sistema jurídico, soberania, unidade, política partidária e as atitudes e valores que a definem devem se tornar o centro da atenção do debate.

"'Brexit' é o tema mais importante e controverso da política britânica moderna. É um ponto de mudança que pode transformar profundamente o Reino Unido", disse.

CRONOLOGIA DO BREXIT
Processo já dura 2 anos

17.dez.2015
Ato real autoriza a realização de um plebiscito para decidir sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia

22.fev.2016
O então primeiro-ministro, David Cameron, anuncia a convocação da consulta popular

23.jun.2016
Data de realização do plebiscito. Para surpresa da opinião pública, maioria dos eleitores vota pela saída britânica do bloco europeu. "Brexit" vence com 51,9% dos votos, contra 48,1% dos contrários à separação

24.jun.2016
David Cameron anuncia que vai renunciar ao cargo

13.jul.2016
A conservadora Theresa May, até então secretária do Interior, torna-se a nova chefe de governo do Reino Unido, a segunda mulher a ocupar o cargo (depois de Margaret Thatcher)

17.jan.2017
Em discurso, May revela o plano do governo para a saída do bloco comercial e define as prioridades do Reino Unido na negociação do "brexit"

2.fev.2017
Governo britânico publica o White Paper, fixando formalmente a estratégia para o desligamento britânico

16.mar.2017
Saída da União Europeia recebe autorização real

29.mar.2017
Theresa May aciona o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, formalizando o pedido de afastamento britânico do bloco

18.abr.2017
A premiê convoca eleições gerais no Reino Unido para junho

8.jun.2017
O partido conservador da primeira-ministra vence a eleição legislativa, mas vê sua maioria no Parlamento se esvair, o que o força a buscar uma coalizão para governar

19.jun.2017
Tem início a primeira rodada de negociações do "brexit" entre o Reino Unido e a União Europeia

13.jul.2017
Governo divulga a proposta da chamada "Repeal Bill", a lei de revogação da relação com a União Europeia, marcando o início da discussão da legislação necessária para o "brexit"

19-20.out.2017
Reunião do Conselho Europeu avalia progressos da primeira fase de tratativas sobre o "brexit"

13.dez.2017
Em derrota do governo, o Parlamento britânico aprova uma emenda (curiosamente, apresentada por um correligionário de May) que permite aos legisladores vetar o acordo final do "brexit". Líder da oposição, o trabalhista Jeremy Corbyn classificou o revés como "humilhante perda de autoridade do governo"

15.dez.2017
Líderes da União Europeia autorizam formalmente a abertura da segunda fase de negociações da saída do Reino Unido do bloco. Na próxima etapa, serão discutidos o período de transição para a separação as relações comerciais entre Londres e Bruxelas pós-"brexit"

FUTURO

Segundo semestre de 2018
Data em que o negociador-chefe da União Europeia espera ter finalizado as tratativas do "brexit"

Fim de 2018
Ambas as casas do Parlamento britânico votam para decidir se aceitam os termos do acordo do "brexit"

Fim de 2018
Parlamento Europeu vota para decidir se aceita ou não o acordo do "brexit"

29.mar.2019
Data para a formalização da saída britânica

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