Turistas evangélicos brasileiros miram 'lado B' da Terra Santa

Crédito: Rina Castelnuovo/The New York Times A chamada Trilha de Jesus, na cidade de Nazaré, que virou ponto turístico para evangélicos em Israel
A chamada Trilha de Jesus, na cidade de Nazaré, que virou ponto turístico para evangélicos em Israel

DIOGO BERCITO
DE MADRI

A crescente influência de setores evangélicos na política americana tem paralelos no Brasil, onde já há movimentos para emular a decisão do presidente Donald Trump e reconhecer Jerusalém como capital de Israel. A dinâmica política se desenrola em paralelo ao turismo.

Evangélicos brasileiros têm construído sua própria Terra Santa em Israel, reforçando os laços com o governo israelense e estimulando a viagem de fiéis ao país.

Cada vez mais, eles visitam não apenas os cartões-postais, mas também locais marginais dentro da narrativa bíblica.

Os evangélicos correspondem a 25% dos turistas brasileiros que estiveram em Israel durante 2017, nas estimativas preliminares do Ministério do Turismo israelense, obtidas pela Folha. Católicos devotos foram responsáveis por 22,7% das visitas, e católicos seculares, por 19,1%.

Segundo o levantamento mais recente feito pelo Datafolha, em setembro passado, 32% da população brasileira é evangélica, em comparação aos 52% de católicos.

Evangélicos se interessam, como os demais turistas, pelos grandes atrativos de Jerusalém e Tel Aviv, mas se espalham também por pontos menos explorados pelas outras comunidades, como Hermon, Nazaré e Jafa.

O monte Hermon, no norte, é um caso emblemático do interesse evangélico. Algumas de suas vertentes creem que a transfiguração de Cristo —quando, por milagre, ele irradiou luz— ocorreu ali, enquanto católicos tradicionalmente identificam esse cenário como o monte Tabor.

"Há uma perspectiva inovadora, com tradições trazidas a partir do 'lado B' da Bíblia", diz o pesquisador brasileiro Michel Gherman, autor de um estudo sobre os evangélicos em Israel. "O monte Hermon passou a ser uma referência importante. Nazaré substituiu Belém, Jafa substituiu Jerusalém."

Uma das explicações para esse processo é econômica, com o interesse de buscar novos mercados por agências de turismo especializadas no setor evangélico. "São pontos inexplorados", diz.

Há também a política.

Ramos evangélicos brasileiros têm se alinhado à direita israelense e contribuído às justificativas religiosas que dão base a algumas das decisões do premiê Binyamin Netanyahu —para parte de seu governo, a presença de judeus nesse território é um direito sagrado.

"Os evangélicos ajudam a recuperar referências que são muito caras a setores específicos da sociedade israelense", diz Gherman. "Isso se confunde na prática missionária, econômica e política."

O bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal, viajou para Israel e se reuniu com Netanyahu em 2015. Dois anos antes ele havia subido ao monte Hermon e transmitido dali uma mensagem via internet a seus fiéis.

Locais como Hermon têm menos concorrência turística e religiosa, diz Gherman, apesar de terem também sua tradição bíblica. A cidade de Nazaré, outro destino caro aos evangélicos, é relacionada à vida de Jesus Cristo. Jafa, por outro lado, aparece na história do profeta Jonas, engolido por uma baleia.

A Universal se estabeleceu em Jafa quando chegou a Israel, e Gherman associa esse processo à circulação de símbolos relacionados ao profeta Jonas entre os fiéis dessa congregação.

Crédito: Jalaa Marey - 25.jan.2016/AFP O monte Hermon, lugar da transfiguração de Jesus, é um dos pontos visitados pelos evangélicos
O monte Hermon, lugar da transfiguração de Jesus, é um dos pontos visitados pelos evangélicos

GILGAL

O Ministério do Turismo de Israel afirmou à reportagem que não existe um projeto específico para atrair turistas evangélicos, apesar de esse ser o setor mais importante entre os visitantes brasileiros.

"Israel é o primeiro destino que vem à mente dos evangélicos", diz Renata Cohen, chefe do escritório israelense em São Paulo. "Além do circuito básico em Jerusalém e na Galileia, há pontos específicos de interesse."

Um dos projetos que atraíram os evangélicos foi o campo de Gilgal, no vale do Jordão. Tribos israelitas acamparam ali a caminho de Israel, segundo a tradição cristã.

A operadora de turismo brasileira Gilgal tinha planos de construir ali um centro para receber turistas. Roberto Grobman, responsável pela empresa, conta que a princípio havia negociações com a Universal para trazer fiéis a Gilgal. As visitas garantiriam o orçamento necessário para os dez anos previstos para as construções. Mas a operadora e a igreja se afastaram, e esse projeto foi abandonado.

A Folha apurou com as autoridades israelenses que a empreitada carecia de autorização. A área do vale do Jordão, disputada entre israelenses e palestinos, é controversa, e as permissões para iniciar projetos dependem de uma longa burocracia.

Do ponto de vista comercial, Gilgal era atraente porque poderia se beneficiar do fluxo de turistas entre Jerusalém e o rio Jordão, onde se afirma que Jesus foi batizado. Mas visitantes evangélicos passaram a fazer o trajeto por outros lados, incluindo pela vizinha Jordânia, desanimando Grobman.

"Infelizmente, é uma área bastante indefinida", afirma o empresário. "Seria arriscado investir ali, com a possibilidade de um dia Israel entregar essas terras aos palestinos. Deixou de valer a pena."

A operadora Gilgal tem, no entanto, outros interesses no que Gherman chama de "lado B da Bíblia".

O vale do Elá, por exemplo, relacionado à história de Golias. "Levamos turistas também a Beersheva, onde Abraão e Isaac moravam. Vamos a Shilo, Tel Gezer", diz, apontando outros destinos menos comuns em Israel.

A operadora Gilgal atua em Israel desde 2013 e no Brasil desde 2015. Em 2016, levou 18 mil turistas a Israel, grande parte deles vindos da China.

Procurada pela reportagem, a Igreja Universal não respondeu sobre suas atividades de turismo no país.

Segundo seu departamento de comunicação, "não existe qualquer negociação ou mesmo interesse da Universal em tais supostas propostas", em alusão ao projeto de Gilgal.

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