ANNA FIFIELD
DO "WASHINGTON POST"

Duas pessoas estarão no centro das negociações entre as duas Coreias que deverão ocorrer nesta terça-feira (9), mas elas não estarão dentro da "Casa da Paz", ao sul da fronteira entre os dois países.

São Ryom Tae-ok e Kim Ju-sik, a dupla de patinadores norte-coreanos que a Coreia do Sul espera que disputem sua Olimpíada de Inverno no próximo mês.

Representantes das duas Coreias se encontrarão em Panmunjom, a "aldeia da trégua" no meio da Zona Desmilitarizada, às 10h de Seul na terça para sua primeira conversa em mais de dois anos.

Na última, no verão de 2015, eles tentaram negociar a paz depois que minas terrestres norte-coreanas feriram gravemente dois soldados sul-coreanos, provocando discursos de guerra em ambos os lados.

Agora eles falarão sobre se o Norte vai enviar Ryom e Kim aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2018, que se realizarão em PyeongChang, a apenas 64 km ao sul da linha que separa as duas Coreias, a partir de 9 de fevereiro.

Muitas autoridades em Seul esperam que as negociações marquem o início de um período mais morno entre as duas Coreias estremecidas —e talvez até uma abertura para negociações de desnuclearização.

"Os dois lados vão enfocar a Olimpíada", disse nesta segunda-feira (8) Cho Myoung-gyon, ministro da Unificação da Coreia do Sul e seu principal delegado nas negociações. Mas, "quando discutir relações intercoreanas, o governo tentará levantar a questão das famílias separadas pela guerra e maneiras de atenuar as tensões militares".

Isso poderá começar com a atleta Ryom, que fará 19 anos na semana anterior aos Jogos, e seu parceiro Kim, 25. A dupla treinou em Montréal com o técnico canadense Bruno Marcotte no último verão e competiu na Alemanha e na Finlândia no ano passado. Para uma apresentação, eles até patinaram com uma versão instrumental da canção "A Day in the Life", dos Beatles.

Eles se classificaram para competir nos Jogos de Inverno de 2018, mas a Coreia do Norte perdeu o prazo de 30 de outubro para registrá-los. Tanto o Comitê Olímpico Internacional quanto as autoridades sul-coreanas, porém, deixaram claro que poderão encontrar uma solução.

O COI já disse diversas vezes que deseja que os atletas do Norte participem, e vem fornecendo equipamento e ajuda nas viagens para aumentar as possibilidades de que isso aconteça.

Os sinais parecem auspiciosos. O representante do COI na Coreia do Norte, Chang Ung, a caminho da Suíça, disse a repórteres em Pequim no fim de semana que a dupla "provavelmente participará" dos jogos.

A Coreia do Norte boicotou a Olimpíada de Verão em Seul em 1988 —e na verdade explodiu um avião sul-coreano, matando as 115 pessoas a bordo, no final de 1987 para tentar desencorajar a assistência aos Jogos. Mas enviou atletas a encontros mais recentes, como eventos esportivos realizados em 2002 e 2003, durante um período de relações intercoreanas mais aquecidas, e novamente em 2014.

Inserir uma competição de patinação em uma distensão diplomática mais ampla, porém, será um desafio titânico, do tamanho de um iceberg.

O líder norte-coreano, Kim Jong-un, que faz 34 anos nesta segunda-feira (8), orgulhou-se muito de seu progresso nuclear e com mísseis no último ano. Ele se mostrou imune às sanções americanas e internacionais, embora tenha declarado que tiveram um impacto na economia norte-coreana.

Mas hoje ele pode ver a abertura como causa de um outro tipo de problema —inserindo uma separação entre Seul, cujo governo quer mudar as coisas na Coreia do Norte por meio do envolvimento, e Washington, onde o presidente Donald Trump pede "pressão máxima".

O discurso de Ano-Novo de Kim foi notável por seu tom conciliatório em relação à Coreia do Sul, desejando-lhe sorte na Olimpíada de Inverno e pedindo que as duas Coreias trabalhem juntas. "As autoridades sul-coreanas deveriam responder de forma positiva a nossos sinceros esforços a favor da distensão", disse Kim.

A Agência Central de Notícias da Coreia do Norte deixou claro que "forasteiros" —leia-se EUA— não têm lugar em suas discussões. "Como as relações intercoreanas são, para todos os fins e propósitos, uma questão interna da nação coreana, a dependência de forasteiros tornará as coisas mais complicadas", disse a agência nesta segunda-feira.

Por sua vez, o governo do presidente sul-coreano, Moon Jae-in, está fazendo o possível para que a Olimpíada —que chamou de "jogos da paz"— seja um sucesso e abra uma nova era de envolvimento com o Norte.

O governo sul-coreano estaria preparado para pagar a conta da hospedagem da equipe norte-coreana nos jogos, com o Ministério da Unificação rejeitando qualquer preocupação de que isso possa violar as sanções internacionais.

E Seul teve uma vitória notável ao convencer os EUA a adiar os enormes testes militares conjuntos realizados no início de março todos os anos, para não antagonizar a Coreia do Norte. Eles foram adiados para depois do fim da Paraolimpíada, em 18 de março.

Moon, um dos primeiros proponentes da "política ensolarada" de envolvimento, manifestou repetidamente a esperança de que a Olimpíada seja um caminho apolítico para melhorar as relações com o Norte.

Mas seria prudente que ele reduza suas expectativas, disse Duyeon Kim, uma bolsista no Fórum do Futuro da Península Coreana, um grupo de pensadores de Seul. Com frequência Pyongyang conseguiu o que queria e manteve suas armas nucleares.

"A Coreia do Norte sempre está tentando colocar uma cunha entre Seul e Washington. Esse foi seu modo de agir desde a fundação do regime", afirmou o pesquisador.

Se as negociações desta terça-feira levarão a algo além da participação dos patinadores na Olimpíada cabe ao líder norte-coreano. "Kim Jong-un disse que quer melhorar as relações intercoreanas, então agora ele tem de provar isso com atos", disse ela.

Mas os conservadores sul-coreanos estão pintando o governo Moon como ingênuo por pensar que a Coreia do Norte pode ser levada a mudar de modos.

"Moon falou sobre 'estar no lugar do motorista' nos assuntos intercoreanos, mas parece óbvio quem está puxando quem pelo focinho", disse o "Chosun Ilbo", maior jornal da Coreia do Sul e uma influente voz conservadora, em um editorial afiado.

Kim não pretende abandonar seu programa nuclear, afirmou o jornal. "Tudo o que ele quer é ganhar tempo para terminar o desenvolvimento de suas armas nucleares, e sua estratégia é semear uma rixa entre os aliados."

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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