Editorial: Padrão Fifa?
Salta aos olhos o descompasso. Ao custo de R$ 1 bilhão, construiu-se um moderníssimo estádio em Itaquera, região da cidade de São Paulo que conta com serviços públicos notoriamente deficientes.
Há discrepâncias similares em muitas das 12 cidades-sede da Copa do Mundo, cuja abertura se dará nesta quinta-feira na nova arena paulistana. Diante disso, surgiu uma espirituosa metáfora para as diversas reivindicações populares.
Desde as manifestações de junho passado, demandas por investimentos em setores como saúde, educação e transporte foram sintetizadas na expressão "padrão Fifa", espécie de selo de qualidade.
Enquanto blague, vá lá. Em ao menos uma bandeira das ruas –o combate à corrupção–, contudo, a entidade máxima do futebol parece se afastar dos níveis de excelência para se aproximar das piores práticas da política brasileira.
No mais recente episódio, o jornal britânico "The Sunday Times" revelou que um influente ex-dirigente de futebol do Qatar teria gasto o equivalente a R$ 11,1 milhões para comprar apoio à candidatura de seu país como sede da Copa de 2022 –campanha afinal vitoriosa.
O tema deve entrar na pauta do 64º Congresso da Fifa, que começa hoje em São Paulo. Realizado anualmente, costuma abrigar apenas debates sobre regras e prestação de contas, mas cresce a pressão, inclusive de patrocinadores, para que o escândalo do Qatar seja discutido a fundo.
Se a Fifa não mudar seu padrão ao lidar com casos de corrupção, entretanto, pouco será feito.
Lembre-se, por exemplo, de que "terminaram em pizza" as comprovadas denúncias de que os brasileiros João Havelange, ex-presidente da entidade, e Ricardo Teixeira, então mandatário da CBF, receberam propinas de ao menos R$ 45 milhões em negociatas relativas aos direitos de transmissão de Mundiais.
Mesmo com tal mácula, a Fifa nem sequer discutiu suspender o pagamento de aposentadorias aos dois cartolas; tampouco exigiu a devolução integral dos valores recebidos, contrariando o relatório do comitê de ética interno.
Como se questões extracampo não fossem suficientes, levantam-se dúvidas sobre a capacidade da entidade de evitar a manipulação de resultados em jogos. Segundo reportagem do "The New York Times", até hoje pairam suspeitas sobre pelo menos cinco partidas preparatórias para a Copa de 2010, na África do Sul.
Essas práticas, com efeito, nem de longe correspondem aos justos anseios por melhorias que o "padrão Fifa" passou a representar.
A ironia brasileira conseguiu, assim, dar um drible na semiótica: falta a esse símbolo qualquer adequação ao significado que lhe foi atribuído. Trata-se, neste caso, de um equívoco nacional que os dirigentes da Fifa, tão acrimoniosos quanto aos atrasos do país para o Mundial, preferiram não apontar.
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