ANGELA DONAGGIO
Há o que comemorar?
Chega mais um 8 de março e, com ele, a inevitável análise sobre o quanto -e se- temos avançado na questão dos direitos das mulheres. Sob uma perspectiva histórica, essa luta prosperou em muitos sentidos.
No Brasil, as mulheres conquistaram o direito de voto em 1932. A partir da década de 1960, com a liberação de anticoncepcionais, como a pílula e o DIU, os direitos reprodutivos progrediram substancialmente.
Essas conquistas foram fundamentais para uma maior inserção feminina no mercado de trabalho. Como resultado, hoje 40% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres.
Na Constituinte de 1987, a atuação de deputadas possibilitou a incorporação de demandas do movimento feminista em nossa Constituição. Tal fato, somado a alguns sucessos na luta por oportunidades iguais, deu a uma boa parte da sociedade a impressão de que os direitos das mulheres já estariam assegurados.
Ledo engano. Ainda temos muito a avançar, tanto em temas básicos de sobrevivência quanto em outros considerados mais sofisticados, como a participação política e econômica.
O relatório de 2016 do Fórum Econômico Mundial calculou que ainda levaremos 95 anos para atingir a igualdade de gênero no Brasil.
Num primeiro olhar, essa previsão parece muito pessimista, mas, na verdade, ela é bastante otimista. O relatório não contabilizou importantes dados locais sobre violência e desigualdade econômica e política. Levando-se em conta esses aspectos, certamente ainda levaremos muito mais que um século para atingir a efetiva igualdade.
Algumas pesquisas, por exemplo, sugerem que os dados oficiais sobre estupro representam apenas 10% do total de ocorrências. Isso pode se relacionar ao fato de que cerca de 70% das vítimas são crianças e adolescentes, que dificilmente relatam a violência que sofrem.
Além disso, o número de mortes de mulheres por seus companheiros é aterrorizante. Neste grupo, a situação das mulheres negras é ainda pior: 3.000 são mortas ao ano, um aumento de 50% na última década.
Não à toa o Brasil ocupa o quinto lugar em feminicídio no mundo, posição que nos aproxima de países em que o termo "Estado democrático de Direito" nunca foi pronunciado.
Outro exemplo: a porcentagem de mulheres na política, bem como nas cúpulas das companhias, é ínfima (cerca de 10%) e praticamente estagnada nos últimos 20 anos.
Em diversos países, como Noruega e França, esses dados se modificaram com a adoção de políticas afirmativas, como as cotas, o que poderia ser implantado aqui.
A remuneração também é uma questão a ser solucionada. A despeito de as mulheres apresentarem maior nível de escolaridade que os homens, continuam a ganhar em média cerca de 70% do salário deles para desempenhar uma mesma função.
Os avanços são limitados, mas há sinais positivos que merecem destaque. Produtores de cerveja, motivados por demandas de coletivos feministas, começaram a mudar o modo de representar as mulheres em seus anúncios, deixando de lado a tradicional objetificação sexual.
Muitas empresas também começaram a implementar programas a fim de elevar o número de mulheres na alta gestão, motivadas por pesquisas que mostram o impacto positivo da diversidade de gênero sobre o desempenho econômico.
Há sim o que se comemorar neste dia 8 de março. A crescente conscientização sobre a igualdade de gênero não é apenas bem-vinda -é absolutamente necessária para mudar paradigmas.
Os atuais direitos das mulheres foram resultado de muita luta. Os próximos a serem conquistados nos âmbitos político e econômico também não virão de graça.
ANGELA DONAGGIO é professora e pesquisadora do grupo de estudos em direito, gênero e identidade da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas
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