Parlamentarismo exige partidos autênticos
O parlamentarismo é um sistema de governo que difere radicalmente do presidencialismo. Neste, o Executivo é unipessoal: o presidente é, ao mesmo tempo, chefe de Estado e chefe de governo.
Em outras palavras, encarna simultaneamente as instituições políticas e cuida do dia a dia da administração pública.
Há também no presidencialismo uma rígida separação de Poderes. Legislativo, Executivo e Judiciário atuam de forma totalmente independente, embora devam, ao menos em tese, manter uma convivência harmônica entre si.
Já no parlamentarismo, o Executivo é bipartido. O presidente, com um mandato longo nas repúblicas, ou o rei, vitalício nas monarquias, exercem o cargo de chefe de Estado, ao passo que a gestão da máquina administrativa é realizada pelo chefe de governo, comumente denominado primeiro-ministro ou chanceler, o qual encabeça um gabinete de ministros.
Enquanto os chefes de Estado têm estabilidade -quer dizer, são praticamente inamovíveis, salvo se cometerem uma falta gravíssima-, o chefe de governo exerce suas funções ao alvedrio do Parlamento.
Pode perder o cargo, assim como qualquer ministro ou até o conjunto dos integrantes do gabinete, caso sejam alvos de uma moção de censura ou desconfiança, especialmente na hipótese de não desempenharem a contento as diretrizes governamentais traçadas pelos partidos políticos majoritários.
Existe, assim, nesse sistema um relacionamento estreito entre o Executivo e o Legislativo, porquanto aquele deve executar, com a maior fidelidade possível, a vontade popular predominante expressa pela maioria dos parlamentares.
Já o Judiciário, como regra, é controlado administrativamente por um órgão externo, cujos membros são indicados pelos demais Poderes.
É opinião unânime entre os especialistas que o parlamentarismo, embora sujeito a instabilidades próprias dos embates políticos, comparado ao presidencialismo, é mais racional e menos personalista.
Não obstante, foi duas vezes maciçamente rejeitado pelo povo brasileiro nos plebiscitos ocorridos em 1963 e 1993. Talvez porque, culturalmente, tal como acontece nos demais países da América Latina, os cidadãos se sintam mais representados na cúpula do poder por uma liderança forte ou carismática.
É escusado dizer que o parlamentarismo -e também o híbrido e, por isso mesmo, problemático semipresidencialismo- somente pode funcionar adequadamente em um contexto no qual existam partidos políticos fortes, com clara identificação programática e ideológica, aptos a imprimir uma direção unívoca e consistente às ações governamentais.
Não só isso: os parlamentares, para representar com fidelidade a vontade dos eleitores, precisam ser escolhidos por uma metodologia que lhes confira o máximo de representatividade, a qual inclusive deve levar em conta as minorias existentes na sociedade contemporânea, complexa e plural, mediante o sufrágio proporcional.
Se quisermos adotar o parlamentarismo entre nós, superando a forte rejeição da cidadania a esse sistema, é preciso reformar profundamente o modelo partidário em vigor, começando por instituir uma cláusula de barreira ou de desempenho para diminuir o exagerado número de agremiações políticas existentes, além de adotar o voto em lista, conjugado ou não com o distrital.
PARTICIPAÇÃO
RICARDO LEWANDOWSKI é professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da USP e ministro do Supremo Tribunal Federal
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